Um seminário sobre a ditadura no Brasil – especialmente na Amazônia – realizado nesta terça-feira, 2, no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, em Belém, marcou o início dos trabalhos da Comissão da Verdade do Pará. Durante o evento, que contou com três mesas de debates durante toda a manhã, os membros da comissão paraense falaram sobre os desafios e as perspectivas de investigação para o resgate da memória daquele período, trocaram informações com representantes de outras comissões que estão em andamento no país e ouviram as contribuições do público presente, formado por técnicos, estudantes, professores, pesquisadores e demais interessados no assunto.

Segundo João Lúcio Mazzini, membro da comissão paraense e um dos coordenadores do evento, a ideia é, a partir do seminário, que se estende até esta quarta-feira, 3, com o fechamento de um plano de trabalho, traçar bases e linhas de atuação para os próximos dois anos. Neste período, a comissão paraense irá investigar casos de tortura, morte, desaparecimento forçado e até mesmo ocultação de cadáveres envolvendo paraenses ou residentes no estado à época do regime militar. Ao final dos trabalhos será apresentado um relatório com as conclusões acerca dos desaparecidos, bem como sugestões de políticas públicas para assegurar o direito das vítimas.

Para o historiador, o trabalho será um desafio, sobretudo, pela dificuldade do acesso aos documentos do regime, e ajudará a sociedade paraense a resgatar a memória daquela época. “Toda a documentação está em Brasília e nós não temos, aqui na Amazônia, cópias disso. Isto porque a política nacional de arquivo público é muito deficiente. Isso faz com que os movimentos sociais, o cidadão comum que deseja ter acesso a isso, não consiga simplesmente porque são documentos que estão espalhados pelo Brasil. E para nós, a memória e a verdade sobre aquele período são nossos direitos. Por isso, a nossa tarefa é muito maior”, afirma João Lúcio.

O desafio também é reiterado por outro membro da comissão paraense, o advogado Marco Apolo Leão. “Até porque por mais que a gente já saiba de algumas coisas, ainda é muito pouco, boa parte ainda está obscura”, afirma. Como exemplo, ele cita as violações ocorridas entre 1972 e 1975, durante a Guerrilha do Araguaia, no sul do Pará. “Fundamentando naquilo que pregava o regime, o Estado Brasileiro fez um trabalho de queima de arquivo. E isso se espalhou por todo o país. Aqui no Pará, como estamos começando esse trabalho muito tempo depois dessas violações terem acontecido, é possível que isso seja um entrave. Mas a ideia é justamente trazer essa história à tona”, afirma.

Neste sentido, para Marco Apolo Leão, a troca de experiências com outras comissões, seja nacional, estadual ou setorial (de universidades e movimentos de trabalhadores), é fundamental. “O primeiro passo desse trabalho é ouvir quem já está atuando para pegarmos subsídios e fecharmos um planejamento. Por isto, este seminário. O segundo passo será partir para campo, ou seja, pegar depoimentos de vítimas e de pessoas que tem denúncias para fazer. Já uma etapa posterior, que particularmente acredito ser possível, vai ser identificarmos os locais de tortura e ir atrás de documentos que comprovem isto”, detalha.

Interesse

O trabalho proposto pela comissão chamou a atenção da estudante Isis Emanuely, de 17 anos, que assistiu ao seminário junto com um grupo de alunos da Escola Estadual Raymundo Martins Vianna, do Parque Verde. “Muitas pessoas foram torturadas naquela época e é muito importante que isso seja revelado para que a sociedade saiba da sua história. Muitas famílias até hoje esperam para saber o paradeiro de familiares por conta disso. Sei que em outros estados conseguiram até achar restos de ossos dessas pessoas que lutaram contra a ditadura, então acredito que aqui esse trabalho também vai render bons frutos”, comentou a jovem.

Rafael Galvão, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), também destacou a importância do resgate da história. “Pelo que vi aqui essa comissão vem com o intuito de levar ao público o que aconteceu não só no Pará, mas em todo o Brasil, durante o período da ditatura, e essa é uma iniciativa que merece a atenção doe todos, principalmente da juventude paraense. Muitas vezes nós dissemos que somos aquela juventude do Araguaia, então temos que conhecer, saber o porquê e fazer jus. Trazer isso à tona é mostrar que naquela época, apesar de tudo, a juventude se organizava em prol do futuro do país”, afirmou.

Um seminário sobre a ditadura no Brasil – especialmente na Amazônia – realizado nesta terça-feira, 2, no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, em Belém, marcou o início dos trabalhos da Comissão da Verdade do Pará. Na foto: Representante da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) Rafael Galvão. FOTO: IVAN CARDOSO/AG.PARÁ

Durante o seminário, houve três mesas de discussão: “A ditadura no Brasil e as experiências das Comissões da Verdade”, “A questão da Ditadura na Amazônia”, e “As tarefas do parlamento e a luta pela Verdade, Memória e Justiça”. A programação teve início às 8h, na Sala Pará. Nesta quarta-feira, 3, o seminário é retomado com a realização de uma reunião dos membros com os conselheiros da Comissão da Verdade do Pará, das 8h às 12h, também na Sala Pará. E das 14h às 18h ocorre um encontro dos membros da Comissão com a equipe técnica para o planejamento das ações.

A Comissão, instalada oficialmente na segunda-feira, 1º, é composta por representantes de diversas entidades civis, como as secretarias de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e de Segurança Pública e Defesa Social (Segup); Arquivo Público Estadual; Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa; Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção Pará; Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos; Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça; Conselho Regional de Psicologia, e Sindicato dos Jornalistas do Pará.

Por Amanda Engelke

FONTE: http://agenciapara.com.br/Noticia/104668/seminario-abre-os-trabalhos-da-comissao-estadual-da-verdade