Reunião: 1ª                      Espécie: COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE.

Data: 22/01/2015 Início: 15 horas e 03 minutos.

PRESIDENTE: SENHOR EGYDIO SALLES

 

O SR. PRESIDENTE– Dando sequência às oitivas que programamos aqui na Comissão Estadual da Verdade, vamos ouvir hoje o Doutor Alfredo Oliveira, e peço ao Paulo Fonteles Filho que faça uma pequena apresentação do nosso convidado para efeito de registro.

 

O SR. PAULO FONTELES FILHO– Boa-tarde a todos. O nosso primeiro depoente desta tarde, segundo da Comissão Estadual da Verdade, é o Médico aposentado Alfredo Oliveira, escritor, de sua lavra várias obras foram escritas sobre a história recente do Estado do Pará, com destaque para Camaradas e Cabanos que é um livro que narra a história do Partido Comunista Brasileiro aqui no Estado do Pará, e tem naturalmente como enfoque importante esse período que cobre a Década de 30 até a Década de 80.

Portanto, são cinquenta anos da memória política do Estado do Pará, reunidos em uma obra importante, não apenas para que possamos conhecer a história recente do Estado, mas também naquilo que está ligado ao nosso trabalho, que essa investigação, que a Comissão Estadual da Verdade se propõe a fazer, digo ao Doutor Alfredo Oliveira que a nossa comissão foi criada por meio de lei aqui na Assembléia Legislativa, sancionada pelo Governador do Estado e instalada no dia 1º de setembro de 2014.

E o nosso trabalho tem a duração de dois anos, portanto, ele se encerra com o relatório para a sociedade paraense em setembro de 2016. e naturalmente que esse trabalho procura fazer essa investigação, esse levantamento, e nós temos a importante experiência da Comissão Nacional da Verdade, à qual destacou em seu relatório alguns aspectos importantes no Estado do Pará. Naturalmente que a esse esforço nós damos segmento e achamos que devemos, nesse primeiro momento, investigar os aspectos iniciais do Golpe de Estado que no Brasil foi no ano de 1964 até 1969.

Portanto, o Doutor Alfredo Oliveira foi uma das primeiras pessoas que pensamos para fazer esse depoimento. E além desse depoimento dele na tarde de hoje teremos também o do Pedro Galvão.

 

O SR. PRESIDENTE– Manteremos a sistemática do depoimento do Doutor Aurélio do Carmo, franqueamos a palavra ao nosso convidado para que faça a exposição que achar pertinente e depois os membros da Comissão farão as perguntas. Antes, porém, vamos fazer uma pequena apresentação dos membros da Comissão.

Sou Egídio Sales Filho, estou na condição de Presidente desta Comissão, sou Advogado e fui indicado para a Comissão pela Ordem dos Advogados do Brasil.

FRANSSINETE FLORENZANO – Boa-tarde. Doutor Alfredo, sou jornalista, advogada e fui indicada para a Comissão pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará.

 

O SR. JOÃO LÚCIO – Boa-tarde, Doutor Alfredo, sou representante do Arquivo Público do Estado do Pará e é uma honra estar na sua presença.

 

A SRAANA OLIVEIRA – Boa-tarde a todos, especialmente ao Doutor Alfredo. Senhor Presidente, é uma honra participar com vocês desta Oitiva. Sou Advogada, paraense também e sou membro da Comissão Nacional da Anistia do Ministério da Justiça.

 

A SRA. LUCIDEA SANTOS CAVALCANTE – Boa-tarde. Faço parte da equipe enquanto apoio técnico. Sou Socióloga e estou no apoio técnico aqui, na Comissão.

 

O SR. JAIME COELHO AVELARD – Sou historiador e também faço parte da equipe técnica.

 

O SR. MARCO APOLO – Boa-tarde, sou Advogado, faço parte da Comissão por indicação da Sociedade em Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.

 

A SRA. TATIANE – Socióloga. Faço parte da equipe técnica e sou da Polícia Militar.

 

O SR. JEAN – Sou fotógrafo, estudante de Direito e estou contribuindo como técnico da Comissão Estadual da Verdade.

 

A SRA. JUREUDA GUERRA – Boa-tarde a todos e a todas, sou do Conselho Regional de Psicologia.

 

O SR. PRESIDENTE – Volto a palavra para um dos nossos convidados de hoje, o Doutor Alfredo Oliveira.

 

O SRALFREDO OLIVEIRA– Sou médico aposentado, fui Clínico Geral, e ingressei no PCB – Partido Comunista Brasileiro – no quarto ano do Curso de Medicina. Eu me formei em 1960 e neste ano já ocupava um cargo na direção do PCB. A partir daí passei a ter entre outras missões a de defender os companheiros militantes do Partido, sobretudo depois de 64, para aqueles que não tinham recursos para se tratar, ou que estavam foragidos e precisavam de uma pessoa de confiança para poder dar o tratamento. Então, é natural que eu tivesse tido conhecimento de diversas situações relacionadas com a repressão da época.

Acho que não se pode falar de tortura, por exemplo, limitando isso apenas aos maus-tratos físico, porque a tortura tinha também implicações muito importantes não só do ponto de vista moral, como na área psicológica, além dos agravantes físicos.

Na medida do possível – para que fique bem claro aqui – vou citar exemplos com nomes, apenas evitando aqueles em que a ética médica não me permite ir mais além.

A tortura moral, na minha opinião, implicava sobretudo num profundo sentimento de culpa que a pessoa passava a carregar diante das vicissitudes que suas famílias começavam a passar, por culpa da posição ideológica da pessoa e aquilo acarretava um sentimento de culpa profundo vendo a família passando necessidade e também, por causa da tentativa de desmoralização pública da pessoa com a cumplicidade da mídia, logicamente, que também afetava os membros da família.

Vou caracterizar um exemplo aqui, que me parece muito flagrante nisso, o do Engenheiro João Luiz Araújo – o Pedro Galvão chegou a conhece-lo. O João Luiz era um jovem brilhante, por coincidência, ingressamos juntos na militância do PCB, e por coincidência no mesmo dia. Ele era estudante de Engenharia na época e eu estudante de Medicina. Depois de formado, o João Luiz era tão brilhante, que foi um dos primeiros Engenheiros calculistas para grandes estruturas de concreto armado aqui de Belém. Antigamente os grandes prédios encomendavam esses cálculos de estruturas fora de Belém. O João Luiz foi um dos primeiros Engenheiros paraense a fazer esses cálculos aqui. Ele como militante do PCB fez uma carreira também igualmente brilhante. Em 64, ele era Secretário de Agitação e Propaganda e, apesar desse nome extremamente sectário, radical, não é? Na realidade o Secretário de Agitação e Propaganda tinha que ser uma pessoa com capacidade de se comunicar, de falar nos comícios, nas portas de fábricas, nas assembleias, redigir manifestos. Então, não podia ser qualquer um não, tinha que ser um cara com a inteligência que o João Luiz tinha. Além disso, era um extraordinário teórico marxista. Ele foi para a União Soviética onde fez o curso de Marxismo Superior, aprendeu inclusive a falar russo em menos de um ano lá, foi um teórico tão importante para o próprio PCB, que depois de 64, em 67 foi um dos autores, junto com o Prestes, com o Armínio Guedes e outros, da tese do PCB que criava a Frente Democrática de Luta Contra a Ditadura, para vocês verem a importância dessa pessoa. E o João, de repente, quando veio em 64 pelo fato de ser Secretário de Agitação e Propaganda do PCB, foi cassado como se fosse um bandido e quase que diariamente nos jornais da época, tu deves lembrar disso, saíram as fotografias do João Luiz no jornal, como se ele fosse um bandido e um marginal, e não a pessoa brilhante que ele era. E, logicamente, isso deixava a mãe dele extremamente abalada. Ele era filho também de um político, o Deputado Ismael Araújo, e irmão de um grande Patologista paraense, que foi o Doutor Ronaldo Araújo, Professor Ronaldo Araújo. Então, o sentimento de culpa desse rapaz por ver, de repente, sua família exposta àquilo tudo, era uma coisa terrível.

O João fugiu, ele conseguiu. Ele tinha um filho recém-nascido, de dois meses. Deixou uma avó, que fez mais ou menos o papel da Dona Leocádia, mãe do Prestes, que depois foi levar a criança recém-nascida para os pais, que estavam em Cuba. Ele fugiu para Paramaribo, de Paramaribo para a Guiana Inglesa, e da Guiana Inglesa foi para a Cuba, onde ele passou alguns anos, até retornar ao Brasil.

Então, eu imagino o que sentia a família dele, porque eu, quando via o retrato do João no jornal como se fosse um bandido, e aqueles anúncios na rádio dizendo: “Se você tiver visto, se você souber de alguma coisa desse bandido”, isso e aquilo, olha, me dava uma coisa que eu nem sei descrever para vocês, a dor que aquilo causava, a dor moral que aquilo causava. E há outros exemplos, mas citei este porque acho bastante característico daquilo que quero dizer.

A outra era a questão psicológica. A ameaça de prisão a uma pessoa, a ameaça de desemprego, a ameaça de ver a família de repente exposta às vicissitudes. Isto às vezes trazia transtornos psicológicos extremamente sérios. Eu, embora não sendo psiquiatra, tive que tratar de estados depressivos que podiam inclusive evoluir para a ideia de suicídio.

Portanto, embora os comunistas – que no meu caso eram as pessoas que eu atendia com maior frequência por serem os companheiros e por ser uma missão minha dentro do PCB – fossem pessoas extremamente fortes, que já estavam preparadas para enfrentar interrogatórios, que sabiam, inclusive, que poderiam ser torturadas, e que teriam que enfrentar a tortura para evitar dizer coisas a respeito dos companheiros, apesar desse preparo todo era muito difícil para uma pessoa. Até porque, na verdade, um indivíduo só sabe como ele vai resistir quando ele passa pela situação, antes disso é uma conjetura, ele não sabe como é que ele vai aguentar um interrogatório a base de tortura, disso e daquilo.

Então, essas questões psicológicas também fazem parte do espectro da tortura, assim como a questão moral. E, logicamente, vem a questão dos maus-tratos físicos: choque elétrico em geladeira, pau de arara, essas coisas.

Eu, pessoalmente, não atendi nenhum caso de indivíduos que tivessem passado por tortura física. Ouvi relatos, eu não cheguei a atender. E as pessoas que passavam por qualquer modalidade de tortura física, na verdade tinham dificuldade de contar isso, porque era a palavra delas contra a palavra dos outros, elas não tinham como comprovar. A não ser que exibissem provas do maus-tratos, mas afogamentos, choque elétrico que não deixava marca, não deixava cicatriz, era a palavra da  pessoa e não era fácil você só com a sua palavra enfrentar a Ditadura. Então, muitos evitavam contar ou então haviam aqueles que não gostavam… porque conheci muitos companheiros dentro do Partido, dentro do PCB, de uma coragem pessoal e de uma dignidade tão grande que eles não gostavam de falar sobre as prisões, sobre os maus-tratos, porque eles não queriam que as pessoas que ouviam, pensasse que o indivíduo estava se vangloriando da vitimização.

Então, não era fácil, mas cheguei a ouvir relatos. Um vou dizer o nome porque ele está em um dos meus livros, este e um livro que foi publicado em 91, A Partir da Ilha que já sumiu; o José Maria Platilha.

O Platilha, ele também, fez no teu tempo política universitária, porque ele era um estudante já velho, fazia Sociologia na Faculdade de Filosofia; e o Planilha que era um antigo militante do Partido desde a época de ginásio, ele foi preso e o Oficial do Exército que mandou prendê-lo disse rindo para ele que ele tinha sido preso por engano porque ele foi mandado, embora ele não fosse marítimo, foi mandado para o Arsenal de Marinha, ele era estudante de Sociologia, não tinha nada a ver que parar lá junto com o pessoal que foi preso na orla: arrumadores,  estivadores, enfim, o pessoal marítimo todo, ele foi parar lá. E lá, ele me disse, já não em 64, depois de 64, ele me contou que o pessoal que foi preso lá no Arsenal de Marinha tinha passado por sessão de maus-tratos, e entre esses havia um grande líder marítimo aqui na época que era um Delegado Nacional de um Sindicato, Sebastião Jacoud, era o Delegado Nacional de  um dos sindicatos marítimos, que, segundo o Planilha me disse, que quando ele vinha das sessões de interrogatório ele vinha com um aspecto de quem tinha sido maltratado. Ele não me disse eu vi. Ele me disse: “Eu acho que deram choque elétrico nele e o meteram  na geladeira. A geladeira eram aqueles cubículos pequenos, escuros, onde a pessoa não podia ficar de pé, não podia se deitar, ficava mais ou menos de cócoras ali dentro, era uma coisa terrível.

Essa pessoa, foi, na verdade, a única pessoa que me fez um relato concreto, ele mesmo me disse o seguinte quando perguntei para ele: “E contigo, o que foi que fizeram?” Ele me disse: “Me ameaçavam com o sabre, mas nunca me bateram, ficaram na ameaça”. Isso para mim, não sei se para outra pessoa ele foi além disso. Para mim ele disse: “Não, ele fizeram umas ameaças com sabre mas eu nunca fui maltratado fisicamente”.

Então, esse foi o único relato e esse relato registrei; registrei porque, nesse caso, inclusive não era segredo para ninguém aqui em 64 por ocasião da implantação do Golpe, que as pessoas da orla marítima foram as pessoas que mais sofreram nas prisões aqui em Belém, até porque o pessoal que foi lá para o Quartel da Polícia Militar  na Gaspar Viana, eles tinham aquelas condições precárias da prisão que não era só para preso, era para soldado também, que trabalhava lá. Então, aquelas condições daquele Quartel era para preso, para soldado, e o Rui Barata, por exemplo, que passou muito tempo lá preso, ele me disse; “Olha, imagina que o Pinduca passava por aqui que era um dos nossos carcereiros.” Ele até dizia: “Rapaz não, isso é tudo boa gente. Esses caboclos aqui de Belém, eles são soldados, eles não maltratam a gente não.”

Então, havia, também, uma questão de local. Digamos assim: o tratamento dispensado ao preso também dependia do local onde o cara estava preso, ‘não é’? Na Marinha era pior.

Apesar do que aconteceu neste Quartel da Polícia Militar ali na Gaspar Viana, um caso que também ficou muito conhecido aqui, ele estava preso lá, e por coincidência junto com o meu irmão Bira na mesma cela, Ubirajara Marques de Oliveira Filho, foi o caso do Benedito Serra, um líder camponês, um líder rural.

Veja bem, como eu sou Médico, eu posso colocar melhor para vocês entenderem, mais ou menos, como devemos analisar o caso do Benedito Serra. O Serra morreu em coma hepático, morreu com hepatite, e ele estava preso quando morreu há menos de dois meses. Ele ficou preso numa cela junto com um irmão meu que era estudante de Engenharia e foi preso em virtude ainda dos acontecimentos da UAP, porque ele deu carona para o Paulista, para o Paulo Roberto Pinto Guimarães. E aí ele deu uma simples carona, parece que o rapaz foi levar um manifesto, uma coisa qualquer no O Liberal, que naquele tempo era perto da polícia, ali naquela praça, e o carro não era dele, era do meu pai, era uma Rural Willys. Então, ele foi preso pelo Exército depois, e aí foi intimado a dizer para onde tinha fugido, o pessoal chamava na área da Universidade de Paulista. Para onde o Paulista tinha ido? Ele disse: Eu não sei, dei uma carona para ele até a porta do O Liberal, de lá, eu não sei. Ai o cara disse: Então, tu vais procurar  lembrar, quando tu  lembrares tu mandas, volta aqui para me dizer. E ele foi preso incomunicável para se lembrar para onde tinha ido o Paulista. E ficou preso lá incomunicável mais de 30 dias.

Pois bem, por coincidência, nesta cela ficou preso o Benedito Serra. Eu estava solto, porque na verdade, eu não fui encarcerado nenhuma vez, me prendiam um dia, dois, me soltavam, tornava a prender, talvez até eles tivessem esperança por eu ser Médico e sabendo que eu atendia pessoas que podiam estar foragidos, quem sabe eles não podiam me seguir e descobrir alguém. Para que iam me prender, para quê? Que importância tinha para eles nesse sentido, a importância que poderia ter era levar outra pessoa, mas eu mesmo.

Pois bem, eu não sei também se eles sabiam que eu era da Direção do Partido, não sei. E aí eu recebi o meu irmão… Quando ele viu aquele cidadão…. Bom, veja bem, hepatite  é uma doença que tem um período de incubação prolongado, o período de incubação da hepatite pode chegar a dois meses. Então, se você chega num determinado local e aparece com hepatite, você não sabe se ele pegou ali ou se ele já trouxe de fora, é difícil dizer se ele pegou lá na prisão, porque o período é longo.

Segundo, não se sabe, dependendo do tipo da hepatite se ela é A, B ou C, o prognóstico da pessoa varia, por exemplo, a hepatite A é como uma gripe, ela cura espontaneamente. A hepatite B e a C não, naquele tempo provavelmente eram mortais mesmo.

Então, o abandono do Serra, a falta de assistência médica que deve ter sido um fator agravante. É assim que eu acho que deve ser entendido, porque foi feita uma demanda judicial onde a prisão era tida como a causa da hepatite, é impossível você perante a justiça provar dessa forma., poderia ter adquirido antes, poderia ser uma forma mortal de hepatite que ele poderia estar tendo a melhor assistência do mundo e ia morrer.

O que foi realmente claro, o que aconteceu mesmo foi a negligência do tratamento dele, ele foi abandonado naquela cela. Isso sim, isso aconteceu.

Bom, aí o meu irmão conseguiu me mandar um bilhete, porque eu estava solto, mas era perigoso para mim, porque a minha liberdade era uma liberdade vigiada. Eu não tinha como estar indo no quartel, às vezes eu era obrigado a fazer isso para poupar a minha mãe que já era uma pessoa de idade e eu era obrigado a me expor.

Era uma situação difícil.

Ele conseguiu me mandar um bilhete numa carteira vazia de cigarro Hollywood. Ele tirou, abriu a carteira e fez um bilhete dizendo: irmão, tem um camarada aqui que está muito doente, está se acabando, era o Serra.

Um Oficial de dia, que era um jovem Tenente Mário Rocha, disse: não posso ir lá dar uma olhada nesse camarada e tal? Não, não pode, teu irmão está incomunicável. Diz para o cara de lá, já que eu não posso falar com o meu irmão, tira o cara de lá para eu atender no… Não, não pode.

Sou primo do Almir Gabriel, e nessa época ele era apenas Médico, trabalhava como Médico no Barros Barreto e no consultório dele.

Eu perguntei se eu podia trazer um outro Médico para ir lá ver o Serra. Disseram, pode, depende do Médico. Aí falei com o Almir e o Almir foi fazer a visita ao Serra. Quando ele chegou lá, viu as condições de saúde do Serra e disse que ele tinha que ser imediatamente levado para um hospital. Ele foi transferido para o Hospital Militar da Praça Brasil, onde ele já chegou em estado de coma e morreu, parece que dois dias depois.

A família… O Arnaldo Jordy levou muitos anos depois, a família parece que fez uma demanda judicial, alguma coisa em relação a indenização, não sei, alguma coisa nesse sentido. Parece que isso foi negado, porque ia acontecer isso que eu disse aqui, eles atribuíram à prisão, a hepatite, tudo à prisão, sem apresentar, digamos, as provas que a Justiça teria que ter para fazer a avaliação de que a hepatite foi contraída na prisão, que a hepatite era de um jeito, que com a prisão o cara ia morrer. E eu disse para eles: “Olha, acho que não é por aí não, vocês têm que mostrar que ele foi abandonado. Agora, o Médico dele não fui eu, era o Doutor Almir Gabriel”.

À essa altura o Almir era Governador do Estado e teve a atitude digna que, mesmo sendo Governador, fornecer um laudo para a família do Benedito Serra dizendo: “Fui lá, atendi, ele estava assim, assado, pedi que ele fosse transferido para um hospital militar. Ele foi transferido, onde morreu em coma”.

Esse é o caso do Serra, que também por essa coincidência dele ter sido preso junto com meu irmão e ter providenciado a ida do Almir lá para fazer a consulta dele, fiz esse relato aqui.

Agora, a clandestinidade, o isolamento do indivíduo na clandestinidade, que tem sua liberdade totalmente cerceada, o cara não pode falar com os amigos, não pode frequentar livremente qualquer lugar.

Naquele tempo o camarada ficava escondido e ia apenas aos pontos para falar com alguém ou dar conta de alguma tarefa.

O isolamento na clandestinidade também era uma coisa muito terrível para uma pessoa suportar.

Vou citar dois casos absolutamente verídicos, e esse eu também posso nomear as pessoas. Um, de um grande líder marítimo, aqui do Pará, José Barros Cândido Osório, que tu também deves te lembrar, porque ele falava em comícios eleitorais, na campanha do Lott. Não é do teu tempo, não é?

 O Osório era Delegado do Sindicato Nacional dos Foguistas, era um grande líder marítimo aqui em Belém. Era uma sede bonita de três andares em uma daquelas casas em frente a Estação das Docas, atualmente. O Osório era diabético e como era um líder marítimo muito importante, ele passou a ser cassado depois de 64. Na época andavam desesperados atrás de prender o Osório.

O Osório se escondeu, – esconder, uma maneira de dizer, por que eram quatro paus coberto de palha sem parede, aqui, na João Balbi, que naquele tempo era um pântano. Não era essa rua que vemos hoje toda asfaltada. Aquilo nós chamávamos de igapó. Era o igapó da João Balbi, um terreno completamente pantanoso.

 Então, eu estava acostumado a dar consulta para o Osório, porque ele era diabético e um diabético relaxado, metia umas biritas.  Naquele tempo era só insulina, não tinha esses remédios que existem hoje. Eu era Clínico do Hospital dos Marítimos, que ficava na esquina da Alcindo Cacela com Governador José Malcher, onde tem hoje um ambulatório grande do SUS, da Previdência. Ali ficava num gramado imenso o Hospital dos Marítimos, que foi comprado pela classe marítima. Eles se cotizaram, compraram, construíram o hospital e fizeram uma doação para o Instituto dos Marítimos. Uma coisa maravilhosa!

Pois bem. Eu tive a honra de ser Clínico desse hospital por pedido, por força, por pressão do Sindicato dos Marítimos. Eu era o Clínico Geral desse hospital. O nome do Hospital dos Marítimos era Comandante Alberto Autran.  E nós tínhamos vários motoristas de ambulância, três motoristas e um deles era um negro alegre, que naquele tempo não tinha ainda a consciência que nós temos hoje, e o apelido dele era “Giz”. Ele era da cor de carvão e o pessoal assim o chamava e ele achava bonito aquele apelido ,“Giz”.

Estou lá, um dia, de plantão, e o “Giz” me diz: “Alfredo,  olha rapaz, o Osório está ruim. Eu soube por uma parente ou uma amiga e eu fui lá ver. Rapaz, o cara fede à distância”.

Como ele era diabético, eu disse: Olha, “Giz”, vamos deixar baixar a noite e vamos lá ver se a gente traz o Osório para cá”.

Claro, um cara super cassado como ele para internar, nós tínhamos que fazer uma ginástica. Internar com o nome de outra pessoa, com carteira de outra pessoa, mas isso nós conseguíamos, não era problema. E fui lá. Umas sete horas da noite nós paramos a ambulância na Alcindo Cacela e fomos a pé, caminhando dentro do pântano. Chegamos lá, naquela casinha só com uns paus fincados, ele estava com uma gangrena diabética numa perna. Aí eu disse: Vamos levar. Carregamos até à ambulância e o internamos com papeis trocados. Eu chamei um Ortopedista muito bom que era do hospital, inclusive ele morreu há poucos anos em Manaus, Doutor Cheker Raul de Naim. Não sei se alguém aqui chegou a conhecer, mas  ele era um Ortopedista conhecido aqui. E o Cheker tratou do Osório durante quase três meses sem saber que era o Osório, sem saber quem era. E ele conseguiu salvar a perna dele, ele saiu andando de lá e nós conseguimos salvar a perna do Osório.

Aí depois ele andou, chegou a ir em São Paulo, voltou e na volta ele começou a beber novamente, acho que pensava que já estava bom, chateado da vida pela condição dele, um cara que era Delegado Nacional do Sindicato Marítimo, ele começou a beber.

Foi consultar-se comigo e eu vi que ele iria ter novamente gangrena se não parasse: “- Rapaz, vai embora daqui, vai embora daqui, porque…” Eu dei para ele vestir um terno meu para fazer a viagem, demos um dinheirinho e ele foi pela Belém-Brasília, que naquele tempo ainda era de piçarra, você levava quatro dias para chegar em Brasília com três pernoites pelo meio do caminho, aquela coisas de beira de estrada.

E aconteceu uma história; anos depois uma pessoa intitulando-se para mim uma parenta dele, uma prima, eu nem sei se o Osório era daqui de Belém, eu não sabia disso. Ela me disse que no meio do caminho, em um dos pernoites, ele teria morrido afogado dentro de um poço. Teria duas versões: ou ele estava embriagado e debruçou-se no poço e caiu, ou ele teria se jogado dentro do poço. Eu não sei, estou repetindo aqui o que eu ouvi. Não houve a versão de assassinato, e sim, de que ou ele caiu porque estava embriagado, ou ele suicidou-se num estado depressivo, porque isso não era algo que não era frequente, de jeito nenhum.

Essa, por exemplo, é a história do Osório que você não pode deixar de relacionar à clandestinidade. Como que não vai? Como?

A outra é a do Humberto Lopes, que foi preso junto com esse cidadão. Eles foram presos no mesmo dia; ele, Pedro Galvão e o Jocelyn, sendo que o Jocelyn e o Humberto foram presos por acaso.

Humberto Lucena Lopes era um cearense, e entrou para a militância do PCB. Destacou-se porque era um homem de uma capacidade teórica e política muito grande, notória mesmo, que o diga as autoridades daqui na época, o Aurélio do Carmo, Moura Carvalho, esse pessoal todo que trataram com ele, e você também conheceu o Humberto.

O Humberto veio para cá depois que passou por aqui, como dirigente do Partido, um dos casos de desaparecimento, que eu vou falar por último, mais trágico, digamos assim, que foi o do Jair Miranda.

O Jair Miranda foi um dirigente que veio de Alagoas para cá, para o PCB, passou um tempo aqui, depois foi embora. Para substituí-lo e reorganizar o PCB veio o Humberto Lopes, que era um cearense. Um cearense que se destacou nacionalmente no Partido. Logo que chegou no Rio ele foi incumbido da guarda pessoal do Prestes, a partir de 1950 ele era responsável pela guarda pessoal do Preste.

Depois ele ficou como guardião de uma escola de formação de dirigentes do PCB, onde tinha pessoas de maior quilates; além do Prestes, o Marighela, o Mário Alves, o Gorender, só grandes teóricos marxistas. E logicamente que ele, com a capacidade que tinha, ouvindo aquelas discussões todas, aí mesmo foi que ele cresceu teoricamente. Então, o Humberto veio para cá depois do Jaime Miranda.

Por coincidência, quando ele chegou aqui, o PCB passou a defender uma linha política diferente da anterior, que era uma linha radical, que criava a revolução nacionalista e democrática através do manifesto de agosto, do PCB. Criava luta anti-imperialista, anti-feudal, aliança das forças populares com a burguesia nacional brasileira em 1958. Humberto veio para cá exatamente para implantar essa linha aqui e reorganizar o Partido. Foi por isso que ele teve um grande relacionamento como Moura Carvalho que era o Governador em substituição ao Barata; o Barata morreu e Moura Carvalho ficou no lugar do Barata; um Aurélio do Carmo que foi eleito em 1960. Humberto fez grandes relacionamentos com empresários da terra industrial Alberto Bendaã, Armando Carneiro, a fábrica de cimento de Capanema que foi com maquinaria da Thecoslováquia; Humberto fez tudo isso, quer dizer, era um cara típico de uma boa escolha política para a implantação da linha nacionalista democrática. Se você perguntar para as pessoas que conheceram Humberto na época, por exemplo, Moura Carvalho, Aurélio do Carmo, eles vão dizer da capacidade que esse cidadão tinha que para mim foi uma honra muito grande, porque fui para o PCB exatamente convocado por ele, eu e João Luiz.

Pois bem, Humberto em 1964 foi preso por acaso, eu conto a prisão dele nesse livro que tem uma biografia extensa a respeito do Humberto. Em 1964 ele e Joselin Brasil ficaram numa casa que era um aparelho do PCB, era uma casa que era alugada para servir de aparelho, de local de reuniões clandestinas, trânsitos clandestinos. Os guardiãs desse aparelho era o Sebastião Orius e a mulher chamada Dirce. Para você ver que; acho que nesse tempo o PCB era um Partido que levava tão a sério a linha política nacionalista democrática que ele baixou a guarda, não foi só no dia do golpe, essa casa era exatamente em frente à casa do Comandante da Aeronáutica, onde hoje é uma Clinica Oftalmológica, poucos antes da OAB onde hoje é o Hotel Regente.

Pois bem, quando houve a confusão na OAB, a invasão da OAB, quando o Coronel Oliveira, o “Peixe Agulha” invadiu a OAB, o Galvão foi preso eu acho, deduzi isso que um Sargento saiu desta casa do Comandante da Aeronáutica e provavelmente o Humberto e o Joselin por algum motivo ou vieram ver na janela o que estava havendo, enfim, eles conseguiram enxergar os dois, talvez até mais o Joselin do que o Humberto, porque o Joselin esta Coronel Reformado da Aeronáutica, porque não tem explicação, era um aparelho, como é que os caras invadiram esse aparelho para prender o Humberto e o Joselin? Como nunca mais falei com o Humberto eu fiquei tentando deduzir, eles foram levados presos junto com o Galvão, aqui para o Quartel General da 8ª Região Militar. O Humberto ficou preso vários meses, foi solto por um Habeas Corpus conseguido pelo Doutor Alarique Barata, pai do Rui Barata, e aí que ele fugiu daqui para Belo Horizonte. Ele teve um irmão que era um Padre Dominicano, Frei Eliseu que nessa época era o prior dos dominicanos em Belo Horizonte. Humberto fugiu para Belo Horizonte para tentar receber ajuda do irmão. Esse irmão sofreu   por causa disso depois, foi preso, não respeitaram a condição dele de padre, quando souberam que ele era irmão do Humberto e que tinha dado abrigo a ele foi preso.

O Humberto passou uns tempos em Belo Horizonte, conseguiu mandar buscar a família que era a mulher e quatro filhos, o filho caçula já nascido aqui em Belém, e aí ficou vivendo em Belo Horizonte, inclusive como Membro do Comitê Central do PCB. Era uma figura da direção Nacional do PCB. Ele ficou em Belo Horizonte com a família vivendo muito precariamente, ele também sempre foi quadro profissional do partido, quando ele chegou aqui ele já era quadro profissional, ele não tinha emprego, o emprego dele era servir ao PCB e receber do PCB o “Ouro de Moscou”, todo mundo falava nesse Ouro de Moscou e os comunistas… eu nunca vi esse Ouro de Moscou em lugar nenhuma, o que vi é que os caras que recebiam esse Ouro de Moscou viver em uma miséria desgraçada e o Humberto recebia o Ouro de Moscou, ele era quadro profissional.

Então, ele vivendo naquela situação extremamente precária foi mandado para o Rio de Janeiro e passou a trabalhar com Marco Antonio Coelho, na tesouraria do PCB, no departamento de finanças do PCB. Até que o Marco Antonio, foi preso e caiu e Marco Antonio, foi uma das pessoas que barbaramente torturada nesse País, não sei como ele sobreviveu.

Quando Marco Antonio caiu, Humberto tratou de fugir e se esconder, pois os dois trabalhavam juntos. Ele foi morar em uma casinha no retiro dos artistas em Jacarepaguá. Trocou de nome em todos os documentos, passou a chamar-se Airton de Aquino, na certidão de óbito dele está escrito: Airton de Aquino. Inclusive isso foi uma coisa terrível porque uma das filhas dele no dia do enterro disse: “Meu pai, líder e trabalhador nesse País não tem nem a dignidade de ser enterrado com o nome dele.”

O Humberto por causa da clandestinidade terrível ele foi mandado para a União Soviética, mas, não sei se era porque ele não falava russo, ele passou quatro meses lá e não quis ficar, ele voltou para  enfrentar a situação da clandestinidade no Brasil.

O Humberto passou a ser vítima de uma perseguição implacável, mas ele tinha uma experiência de clandestinidade tremenda, os caras não conseguiam prendê-lo. Prendiam as pessoas, nos lugares em que ele passava, inclusive ele teve um problema de catarata, foi fazer os exames em São Paulo, para ser operado em Belo Horizonte e quando saiu de São Paulo, para Belo Horizonte, prenderam o casal que deu abrigo para ele e que não eram nem amigos dele. Os caras descobriram e os prenderam só porque eles abrigaram o Humberto.

Uma filha dele me disse que, quando ele voltou para o Rio de Janeiro, a situação estava tão difícil nos anos 70, a família dele passando fome, a mulher dele a Gilvanete era uma pessoa de espírito superior, mulher preparada, não sei se ela era formada, mas era uma pessoa de preparo, trabalhava de babá, de faxineira, de qualquer coisa para dar alguma coisa de comer para os filhos.

O seu filho mais velho foi para a União Soviética, estudou direito e ia ser especialista em direito marítimo, internacional, uma coisa assim, mas teve um ataque de coração e ninguém sabe como foi que o rapaz morreu lá e chegou ao Brasil embalsamado, mandaram para cá com um bilhete do Prestes para a família do Brecht, que nessa altura estava na União Soviética.

Eles não tinham dinheiro para enterrar o filho, tiveram que fazer coleta com o vizinho, com amigos, enfim, para poder enterrar o rapaz.  As filhas trabalhavam numa escola foram demitidas, quer dizer, aquela pressão de querer matar a família dele de fome, então o Humberto começou a se tratar, uma filha me disse que o Humberto começou a ficar hipertenso, a pressão dele subia, mas era uma pressão também muito relacionada com uma hiperatividade emocional, o camarada vinha, chorava, via a situação, aquele negócio de sentimento de culpa de ver a família passando tudo aquilo por causa da posição ideológica dele.

Ele começou a se tratar no setor de cardiologia da Previdência no Rio de Janeiro, quando ele morreu estava em casa, e aí o médico dele já conhecia o Humberto de outras consultas, de vários segmentos lá no serviço de cardiologia do instituto. Aí não sei se foi a filha, mas alguém conseguiu telefonar pra esse médico, acho que ele sentiu que o desespero era tão grande que ele saiu do ambulatório, olha é difícil um médico fazer um negócio desse, era pra ser premiado, ele largou o ambulatório dele no instituto, foi lá na casa do Humberto para atendê-lo porque ele sabia que era um problema cardíaco, quando ele chegou lá infelizmente o Humberto já tinha morrido.

Sabem o que aconteceu com esse rapaz? Foi preso, o médico foi preso, e saiu nos jornais do Rio de Janeiro matérias dizendo que havia infiltração comunista dentro da Previdência porque o rapaz, fazendo a obrigação dele, ou melhor, fazendo mais do que a obrigação dele, que não tinha obrigação nenhuma de sair do ambulatório dele para ir acudir o Humberto lá na casa dele, e isso é uma coisa extremamente rara, até hoje com toda a liberdade que nós temos, vou falar um negócio, o cara vai sair do ambulatório dele na Previdência pra ir lá à casa do doente, sobretudo um doente como o Humberto que não tinha nenhuma

 

O SR. PEDRO GALVÃO – Só que ele não sabia quem era o Humberto.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não, ele não sabia, eu suponho que ele não sabia, não posso te garantir, mas eu acho que não, até porque para ele isso não interessava.

 

O SR. PEDRO GALVÃO – Só se ele fosse do partido…

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não, não acredito, não sei, eu acho que não, pelo menos a família não relatou nada disso. Ele foi acudir o Humberto diante do desespero do chamado, foi isso que aconteceu.

Então, o Humberto é uma pessoa que também foi vítima de tudo isso, agora, um grande brasileiro que não merecia de forma alguma ter vivido e morrido do jeito que o Humberto morreu.

 

O SR. PEDRO GALVÃO – Foi um grande brasileiro.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Tu te lembras bem do Humberto, não te lembras? Foste preso junto com ele lá não foi?

Bom, vou encerrar com o Jaime Miranda.

O Jaime Miranda era um advogado alagoano que dirigia o jornal do PCB em Alagoas-Maceió, Tribuna do Povo, uma coisa assim, aí depois de formado, um ano ou dois depois de formado, ele foi preso pelo Arnon de Mello, Pai do Fernando Collor de Mello, que era o Governador de Alagoas, foi condenado a um ano de prisão.

Depois que ele foi preso, talvez para afastá-lo lá daquele ambiente de Alagoas, ele foi mandado aqui para Belém, aí ele veio para cá a fim de tentar reorganizar o partido aqui, e aqui ele ficou.

É muito impreciso, eu ainda não era do partido nessa época porque ele chegou aqui entre 55 e 56, não sei direito a data porque eu não era ainda militante, e aí sei que companheiros que ainda estavam vivos quando eu estava estruturando esse livro, com o Francisco Nascimento que era do Sindicato dos Jornalistas lá em Santos,  tinha aqui Luciano Mota, que agora está com noventa e tantos anos, pessoas que foram companheiras dele, do PCB aqui, e que me disseram alguma coisa a seu respeito.

O Jaime Miranda, foi embora, voltou para Alagoas. Depois de 64 foi preso em Alagoas. Não foi logo em 64, parece que foi um ano depois, em 65. Na prisão ele apareceu com câncer na laringe. Foi piorando, piorando, até que conseguiu ser libertado. Foi para o Rio de Janeiro, com o consentimento e conhecimento dos militares.

No Rio de Janeiro, consegui ser mandado para a União Soviética para fazer tratamento. Passou dois anos na União soviética e voltou ao Rio de Janeiro. Chegando ao Rio, o pai e a irmã foram de Alagoas para lá visitá-lo.

 

O SR. PEDRO GALVÃO – Ele ficou curado?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não sei, acho que não. Esse tipo de câncer não cura. Ele deve ter tido uma sobrevida ou uma melhora, se é verdade que o diagnóstico era de laringe.

Não sei dizer se o pai e a irmã foram para o Rio de Janeiro para esperá-lo ou se foram logo depois que ele chegou. Só sei que no mesmo dia em que eles se reencontraram o Jaime Miranda, depois, saiu para fazer alguma coisa na rua e nunca mais voltou, nunca mais voltou. Isso foi no dia 4 de fevereiro de 1975.

Logo que começou haver liberdade suficiente para fazerem comentários a respeito da tortura, das prisões, a primeira coisa que eu soube foi que ele tinha sido lançado de um avião no mar. A primeira notícia, o primeiro boato sobre o desaparecimento dele foi que ele tinha sido um dos que foram lançados no mar.

Mas acontece que o Hélio Gaspari, naquela trilogia dele, ele diz que não, que ele foi preso, levado ao DOPS de São Paulo, de lá para Itapevi onde foi torturado até a morte.

Depois, li aquele livro da Comissão Nacional da verdade…

 

O SR. PRESIDENTE– Mortos e Desaparecidos?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – É, um grandão assim, até foi o Almir Gabriel que me emprestou.

 

O SRPRESIDENTE – O nome dele consta dessa relação de mortos?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Consta. Foi lá que eu li a confirmação do que o Hélio Gaspari disse, que ele realmente morreu sob tortura.

Bom, amigos é isso que tinha a dizer, apenas para… O meu papel de escritor é esse, dar cores mais reais para os acontecimentos em torno dessas pessoas. Todas elas eram pessoas extremamente dignas e todas elas são pessoas que eu carrego na minha memória assim com maior orgulho de ter tido o privilégio de me dar com eles.

O SR. PRESIDENTE – Obrigado, Doutor Alfredo. Gostaria de lhe pedir permissão para que pudéssemos fazer algumas perguntas.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Pois não.

 

O SR. PRESIDENTE – Vou sintetizar um pouco as suas …

 

O SRALFREDO OLIVEIRA – Quero fazer uma observação. Sou aposentado, mas o Galvão não é. Se ele tiver pressa, posso esperar para vocês me fazerem as perguntas.

 

O SRPRESIENTE – Está Ok, Pedro? Prossigamos, então. Afora a riqueza de cores com que o Senhor descreveu os fatos, o Senhor nos ofereceu uma estrururação muito interessante no seu relato.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Só queria fazer uma pergunta, não sei se… eu sou aposentado, mas o Galvão não é. Se ele estiver com alguma pressa, alguma coisa, eu posso esperar pelas perguntas que ele queira.

 

O SR. PRESIDENTE – Fora a riqueza de cores com que o senhor descreveu os fatos, o senhor nos ofereceu uma estruturação muito interessante no seu relato. A natureza da tortura, não apenas a tortura psicológica, mas a tortura física, o caso de uma clandestinidade e o caso de um desaparecimento. Então, nós temos no seu relato uma estrutura bem definida. Mas como eu havia dito, vamos fazer umas perguntas ao senhor e gostaríamos de saber se alguém tem interesse de fazer perguntas em primeiro lugar?

 

O SR. JOÃO LÚCIO – Eu gostaria.

 

O SR. PRESIDENTE – O senhor João Lúcio, então.

 

O SR. JOÃO MAZZINI – João Lúcio (Arquivo Público) Pois bem, eu gostaria de retomar a sua linha de raciocínio ao ano de 61, quando da posse de João Goulart; a renúncia de Jânio e a luta que o Brizola desenvolve e os outros setores nacionalistas para a posse do João Goulart. Como se deu essa luta aqui na Cidade de Belém? Aqui no Estado do Pará? Quais eram os grupos contrários a posse de João Goulart e quais os grupos favoráveis a posse de João Goulart? Nesse caso especificamente, qual foi a atuação do partido e a atuação do Governador? E gostaria que o senhor comentasse os jornais, a Rádio Clube e a Rádio Marajoara, pois, pelas notícias que temos, foi feita a cadeia da legalidade também e transmitido pelo rádio colocado na rua a boca de ferro, para a pregação do Leonel Brizola. E o que ocorreu aqui, na verdade?

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Olha, aqui houve um movimento extremamente válido para garantir a posse de João Goulart, entre os trabalhadores, principalmente os trabalhadores da PETROBRÁS, da orla marítima, marceneiros, estivadores, enfim, houve um Movimento Sindical muito grande condenando o golpe e cobrando a posse de João Goulart. O Humberto e o Rui Barata, foram para dentro do Palácio do Governo, onde o Governador era o Aurélio do Carmo, que foi uma pessoa que realmente se colocou totalmente favorável a posse de João Goulart e solidário a todos os movimentos para garantir a posse. O Rui Barata com aquela ironia dele, dizia pra assim: “Rapaz, tu sabes que até em esquema militar eu dei palpite!” Ele dizia, e eles foram pra lá, ficaram dentro do Palácio do Governo o Humberto e o Rui, dando palpite em tudo para armar uma estratégia para enfrentar os militares. E por incrível que pareça, os militantes do partido foram mandados para vários lugares e eu fui mandado para Castanhal. E por incrível que pareça, o prefeito da época era uma pessoa que depois foi Deputado aqui nessa Casa, em vários mandatos, o “Louzinho”, Lourenço Alves de Lemos, esse cidadão. Eu o conhecia porque era do meu tempo ainda de brincadeira, de rapaz, ele era mais velho que eu. Aí eu disse: Olha “Louzinho”, tu vais perder esse teu mandato. Rapaz vai ter golpe aí, ditadura e tu perdes o teu mandato. Por incrível que pareça, consegui fazer uma reunião, porque a linha nacionalista democrática permitia você se aliar com a burguesia, com esse negócio que a gente achava que existia, não é? Burguesia nacional, esse negócio.

Então, essa reunião foi feita no Country … Como é? Tinha o Country Club e qual era o outro mais antigo? O Rotary Club, é esse. Eles se reuniam toda semana lá num restaurante grande, num posto lá em Castanhal. Pois olha, eu fiz essa reunião no Rotary e digo: Poxa vida! Que época aquela, maravilhosa, não é? Era no Rotary Club, os caras cobrando a posse do João Goulart.

Eu acho que em 61 houve uma movimentação muito boa, relacionada com o movimento. Nunca dentro da legalidade, ‘né’? Eu acho que aqui no Pará houve muita coisa, muita coisa. E pessoas que tiveram tarefas importantes para cumprir. Eu estou falando do PCB, o         Mariano Klautau foi um; ele exerceu várias tarefas, em 61, para relacioná-las com a posse do Jânio.

Então, aqui no Pará, até pela facilidade de termos o Governador, que era o Aurélio, e grandes empresários como o Alberto Bendahan, o Armando Carneiro e outros, a favor do momento que estava sendo feito, pela posse de Jânio, não foi tão difícil fazer um movimento contra a instalação de uma ditadura.

 

O SR. JOÃO LÚCIO MAZZINI – E quem foi contra a posse do Jânio aqui?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Olha, eu diria que os reacionários de sempre. Com outros nomes, naquela época. Certo?

Então, havia uma linha. Essa linha nacionalista e democrática permitiu ao PCB, aqui no Pará, fazer uma avaliação estratégica.

A SRA. FRANCINETE FLORENZANO– Com licença. Eu gostaria somente que o Senhor dissesse os nomes do contra, pois o senhor falou dos reacionários.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não, eu quero explicar o seguinte. É que eu acho que não houve, em 61, realmente, uma liderança aqui. Porque a nossa linha, nacionalista e democrática, nos permitiu compreender que, aqui, o grande inimigo reacionário que tínhamos eram os defensores da indústria extrativista e da exportação de matéria-prima. Ou seja, trocando em miúdos, a Associação Comercial do Pará. Esta era contra a industrialização no estado. Porque o negócio dos exportadores era exportar matéria-prima, então não dava para você defender a implantação de indústrias, aqui, porque você ia desarmar o negócio dos caras que enriqueciam vendendo matéria-prima para fora.

Portanto, na visão do PCB essa era a linha mais reacionária. Muito mais reacionária que a dos latifundiários. O Humberto dizia: “Poxa, desses latifundiários daqui, tem cara dono de ilha que vive na mão de empréstimo do comércio aviador”. Ele achava que latifúndio, aqui no Pará, tinha uma característica diferente da do Nordeste. O latifúndio aqui do Pará era diferente do latifúndio do Nordeste. Por isso, nós achávamos isto.

Então, todas essas pessoas que estavam relacionadas com essa linha do comércio de exportação: castanha, madeira, enfim, toda exportação de matéria-prima que… Eu, em 64, era médico na SPHEV, que é a atual SUDAM, e nessa época você tinha aquela pobreza ribeirinha tremenda. Porque o negócio era coletar as coisas no mato, aquele pessoal continuava na miséria e os exportadores vendiam aquilo para fora e continuavam enriquecendo. Está entendendo? E as indústrias, inclusive. Quando foi tentado instalar uma indústria de fibra, não sei se era juta ou malva, lá em Santarém, essa indústria já pronta, foi proibida de funcionar, inclusive, a Associação Comercial do Pará, teve um papel destacado nisso, imagina, sendo contra a implantação de uma indústria importante para o Estado, aqui mesmo, dentro do nosso Estado, em Santarém.

Então, para nós, não era uma questão do indivíduo fulano de tal, beltrano, porque havia, realmente, essa linha que tentávamos mudar com a industrialização da região, e os inimigos eram aqueles que eram contra isso, que eram a favor da continuação da pobreza.

Agora, é preciso dizer, também, que havia linha, nessa época não era só o PCB não, tinha a linha dos Deputados Nacionalistas caras como Sílvio Braga, irmão do Cléo Bernardo, como o Clovis Ferro Costa; e havia a linha, também, progressista da Igreja; Camilo Monte negro Duarte, através da UAP, de estudantes que eram extremamente progressistas.

Então, todo esse processo serviu para juntos lutar contra o Golpe que era a favor de não dar posse ao João Goulart.

 

O SR. PRESIDENTE – Explique-me uma coisa:  havia outras organizações de inspiração Marxista na clandestinidade como o PCB?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não. Não.

O SR. PRESIDENTE – Só o PCB?

 

O SR. ALFREDCO OLIVEIRA – Só o PCB. O único Partido de Esquerda naquela época, era o PCB. Claro que a partir de 62 foi fundado o PC do B. Mas o PC do B a pesar de ter duas grandes lideranças Nacionais que eram no Pará, o João Amazonas e o Pedro Pomar, mas aqui, em termos de militância, eles não tinha grande forças, como os trotisquistas aqui, também, não tinham força nenhuma. Até não vou dizer o nome aqui porque levávamos isso na graça; tinham um dois ou três trotisquistas que tinha aí, dizíamos: “Pô, só tem esses três caras aí?” Aí dizíamos o nome dos caras.

Então, na verdade, o PCB concentrava a militância de esquerda, mas não era só essa a militância, os progressistas da esquerda eram muito grandes também.

 

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – O Senhor falou da indústria. Só para fechar esse assunto. Era a Tecejuta que o Senhor estava se referindo lá em Santarém?  Era uma grande empresa que atuava lá.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não, ela foi impedida…

 

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO– Então, não era a Tecejuta?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Não, não, depois ela veio a funcionar. Não sei se era a Tecejuta.

 

O SR. PRESIDENTE– Era a Tecejuta.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Inicialmente ela foi impedida de funcionar e posteriormente isso caiu por terra e as indústrias começaram a nascer aqui, inclusive, essa.

 

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – Entendi. Qual era o seu relacionamento, naquela época com o Coronel Jarbas Passarinho, com Alacid Nunes e Nélio Lobato?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Olha, por incrível que pareça, em princípio, era um relacionamento extremamente cordial, porque eu era o médico da SPHEV e ele era o Major, assessor do superintendente que era o Aldebaro Klautau. Então, tínhamos um relacionamento muito cordial, ele era remista …

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – O Senhor está falando de qual dos três só para ficar registrado na taquigrafia.

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Como assim?

 

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO –  Que o Senhor tinha um relacionamento cordial?

 

O SR. ALFREDO OLIVEIRA – Com Jarbas Passarinho.

 

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – Com Jarbas Passarinho.

 

O SRALFREDO OLIVEIRA – E com o Aldebaro Klautau também, cordial, mas politicamente nada a ver.

Então, porque eu não tinha feito nada e ele tinha que me prender, quer dizer prender uma pessoa que estava, absolutamente, dentro da Constituição, porque pela Constituição não era nenhum delito eu ser comunista, eu defender as minhas ideias, não havia provas de que eu tivesse feito qualquer coisa contra a sociedade. Então, para ele foi profundamente constrangedor, porque ele virou o meu carcereiro, porque ele foi o encarregado do inquérito do IPM na SPHEV, ele era quem tinha que mandar me prender. Eu sei que ele ficava extremamente constrangido por causa do relacionamento anterior, ‘né’?

 

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – E o Alacid e o Nélio Lobato?