OITIVA: Aurélio do Carmo

para ler em pdf clique aqui

REPARAÇÃO: A Assembleia Legislativa do Pará simbolicamente devolveu em 18/03/2013 o mandato de deputados estaduais e do ex-governador Aurélio do Carmo, cassados pela ditadura militar. A simbólica anistia, que o Congresso Nacional já providenciou aos mandatos federais cassados em 1964, não tem repercussão prática, mas traz à luz um encontro com verdades que o Brasil procura escrever na democracia.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: Audiência Pública da Comissão Nacional da Verdade em Belém (PA). Depoimento do ex-governador Aurélio do Carmo, eleito pelo povo e cassado pela ditadura, logo após o Golpe Militar, em 1964. Data: 29/08/2012

DIÁRIO DA NOITE (RJ): Lista de políticos cassados no estado do Pará publicada em 09/04/1964.

VERBETE: Centro de Pesquisa e Documentação da Faculdade Getúlio Vargas (CPDOC-FGV)

Aurélio Correia do Carmo nasceu em Be­lém no dia 31 de janeiro de 1922, filho de Aurélio Ximenes Costa do Carmo e Josefina Correa do Carmo.

Bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Universidade do Pará em dezembro de 1944. Paralelamente a seus estudos, trabalhou como escriturário no Tribunal de Justiça do Estado.

Após a queda do Estado Novo em outubro de 1945, filiou-se ao Partido Social Democrá­tico (PSD) de seu estado.  Entre 1945 e 1956 desempenhou as funções de promotor público da comarca de Castanhal (PA), depois da capital; assistente judiciário cível; chefe da assistência judiciária; secretário do Ministério Público; delegado de polícia de Belém e corregedor do Departamento de Segurança Pública.

No governo constitucional do ex-interventor Joaquim de Magalhães Barata, iniciado em 1956, foi chefe de polícia do Pará, tornando-se elemento de confiança do governador. Com a morte de Magalhães Barata em 1959, o vice-governador Luís Geolás de Moura Carvalho assumiu o governo e apoiou o lançamento de sua candidatura ao Executivo estadual no pleito de outubro de 1960.

Concorrendo com Aldebaro Klautau e Ale­xandre Zacarias de Assunção, foi eleito por maioria absoluta e tomou posse em 31 de janeiro de 1961. Destacando os problemas de fornecimento de energia elétrica e de abaste­cimento de água como os principais a serem resolvidos em sua administração, criou as Cen­trais Elétricas do Pará (Celpa) e o Banco do Estado do Pará.

Foi o primeiro governador a apoiar o mo­vimento político-militar de 31 de março de 1964, que derrubou o presidente João Goulart.  Em junho do mesmo ano, porém, tendo sido chamado a depor perante uma comissão de investigação sumária, recusou-se a compare­cer, alegando não ser réu de crime algum.  No dia 9 desse mês, o presidente Humberto Cas­telo Branco, com base no Ato Institucional nº. 1 (9/4/1964), cassou seu mandato e sus­pendeu seus direitos políticos por dez anos, aplicando a mesma pena ao vice-governador Newton Burlamaqui de Miranda, a Luís Geolás de Moura Carvalho, prefeito de Belém, e a seu vice-prefeito, Isaac Soares, além de seis outros membros do PSD e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assim como do presidente da seção paraense do Comando Ge­ral dos Trabalhadores (CGT).  Na mesma data foram cassados os mandatos de três parlamen­tares, sem a suspensão de seus direitos políti­cos.  A conseqüência da onda de punições foi a ida do coronel Jarbas Passarinho para o go­verno do estado, eleito indiretamente pela Assembléia Legislativa.

Afastado da política, Aurélio do Carmo exerceu a advocacia, tendo sido nomeado desembargador do Tribunal de Justiça do Estado em janeiro de 1972. Ocupou este último cargo até atingir a aposentadoria compulsória em 25 de outubro de 1985. Depois de aposentado, continuou exercendo a advocacia em seu escritório particular.

Aurélio do Carmo foi ainda professor de direito penal na Faculdade de Direito do Estado do Pará; secretário de Estado de Interior e Justiça e procurador da Fazenda Nacional.

Casou-se com Maria de Lurdes Ciríaco do Carmo.

FONTE: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/carmo-aurelio-correia-do

ÚLTIMA HORA (RJ): Suplemento Especial do Pará  publicado em 09/07/1961 a legenda foto expõe o teor da longa matéria.  “O Governador Aurélio Correia do Carmo, quando falava ao enviado especial de Última Hora sobre os graves problemas que afligem o povo e o governo paraense.” Para acessar o conteúdo completo clique aqui.  

TV UNAMA: Depoimento de Aurélio Correia Do Carmo Ex Governado do Estado do Pará, Lembranças que valem a pena lembrar.

LIVRO: Aurélio do Carmo: Lembranças Que Valem a Pena Lembrar de Linomar Bahia.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO (PE): Matéria publicada em 17/05/1961 sobre o pedido de apuração feito pelo governador Aurélio do Carmo sobre a denúncia de manobras de militares norte-americanos no Brasil três meses antes da renúncia do presidente Jânio Quadros.

FOTOS: Audiência Pública com Aurélio do Carmo – Governador cassado pela ditadura militar no Estado do Pará, realizada no Auditório João Batista – na Assembleia Legislativa do Estado do Pará no dia 03/12/2014.

Oitiva: Aurélio do Carmo

CORREIO DA MANHÃ (RJ): O jornal carioca em 10/06/1964 noticiou a cassação dos mandatos políticos dos políticos paraenses, dando enfase a reação daqueles que lhe faziam oposição. A cidade de Belém ocupada pelas forças armadas “é de calma” e “o povo, na rua, a tudo assistiu impassível.” A cidade estava situada, o cais fechado a pretexto de evitar-se contrabando e o aeroporto operando com reforço policial.

COMISSÃO ESTADUAL DA MEMÓRIA E VERDADE DO PARÁ: Membros da comissão com Aurélio do Carmo no dia de seu depoimento.

CONGRESSO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL: Em 01/05/1962 é lançado o manifesto ao povo brasileiro das forças progressistas, o Governador do Pará Aurélio do Carmo era fundador e um dos presidentes de honra do movimento.  

WIKIPÉDIA: Aurélio do Carmo em 1961. 27° Governador do Pará. Período de 31 de janeiro de 1961 até 09 de junho de 1964.

REVISTA DE ESTUDOS BRASILEÑOS: Artigo publicado por Pere Petit. Resumo – Na perspectiva metodológica dos estudos de história local e regional e dialogando com a produção historiográfica nacional, este artigo tem como objetivo contribuir ao conhecimento da história política do Estado Pará durante e após o golpe civil-militar de 1964, até o fim da ditadura militar no Brasil (1985). Examinamos, preferencialmente, a participação dos militares e o apoio de setores da sociedade civil ao golpe militar, a repressão que sofreram estudantes, sindicalistas e organizações de esquerda e “populistas” paraenses, e as disputas entre algumas lideranças político-militares pelo controle das principais instituições político-administrativas no Pará e pelo comando do “partido no poder” (ARENA). Para ler o artigo clique aqui.

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO: Referência escrita no verso “O Governador do Pará, Sr. Aurélio do Carmo, estuda com assessoras itens do [cenário] da reunião, ontem iniciada em Araxá. Foto do fundo Jornal Folha de Minas.

MEMÓRIAS DE LÚCIO FLÁVIO PINTO: Um repórter no centro da história da Amazônia.

Depois da queda

Nota da coluna Informe Especial de A Província do Pará, em 12 de fevereiro de 1966.

“O ex-governador Aurélio do Carmo mudou sua residência, fixando-se no Rio de Janeiro, onde pretende dedicar-se à advocacia. Por isso vendeu a sua granja ao sr. Romulo Maiorana [que se transformaria no sitio Romanza] e propôs à Prefeitura a venda de sua casa à Av. Almirante Barroso, para servir de residência oficial do prefeito.

O sr. Aurélio do Carmo mandou a esposa de avião e seguiu na véspera do seu aniversário pela Belém-Brasília, viajando de ônibus. Poucos amigos compareceram ao seu embarque”.

Rei morto, rei posto.

 

Reunião: 03ª Espécie: COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS

Data: 03/12/2014

PRESIDENTE: SR. EGYDIO SALLES FILHO

Início: Às 15 horas e 11 minutos

O SR. PRESIDENTE – Boa-tarde a todos.

Vamos emprestar certo grau de formalidade à nossa reunião de hoje, trata-se da primeira reunião destinada a ouvir uma pessoa que foi, do ponto de vista institucional, duramente atingida pelo Golpe de 64 que é o ex-Governador Aurélio Correa do Carmo, a quem convido para compor aqui a nossa Mesa.

Bom, na sequência convido os membros da Comissão: Renato Neto, João Lúcio da Costa, Ana Michelle Zagalo, Deputado Carlos Bordalo, Marco Apollo que está ausente, Paulo César Fonteles de Lima, Jureuda Guerra que também está ausente, e a Franssinete Florenzano.

Composta a Mesa, gostaria de sugerir que adotássemos a seguinte dinâmica para a reunião de hoje, facultaríamos ao nosso convidado, Doutor Aurélio, a primeira parte do seu testemunho não na forma de perguntas, ficaria a cargo do nosso convidado fazer uso da palavra de forma livre, após o que os membros da Comissão, então, formulariam os seus questionamentos. Pergunto: Está todo mundo de acordo?

A SENHORA FRANSSINETE FLORENZANO, REPRESENTANDO TODOS, RESPONDE QUE SIM.

O SR. PRESIDENTE – Então, Doutor Aurélio, teremos muito, muito prazer mesmo, em ouvir o seu testemunho a respeito daquele momento histórico. O que o Senhor pode nos dizer a respeito daquilo?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Doutor Egídio, demais membros da Mesa eu me sinto muito honrado de voltar ao local que me traz recordações da minha vida pública, da minha vida política. Mas, antes de abordar qualquer assunto específico desta Reunião, desejo fazer um breve histórico.

O candidato do meu Partido para as eleições daquela época era o Senador Lameira Bittencourt, meu professor na faculdade, que foi abruptamente acometido de um câncer. Em poucas semanas ficamos privados do seu convívio e o Partido atordoado para a escolha do seu substituto.

A minha escolha não veio de cima para baixo, foi de baixo para cima achando que eu era o único candidato para substituir o meu antigo mestre. E assim fui candidato ao Governo do Estado com 38 anos de idade.

Antes, eu tinha exercido cerca de dezessete funções públicas. Fui Delegado de Polícia, Promotor, Defensor, Assistente Judiciário, Chefe de Polícia, Secretário do Interior de Justiça, Procurador da Fazenda Nacional…

Quando fui candidato, apesar de novo já tinha uma vida dentro da área do Direito, só não tinha exercido a diplomacia. Mas, de qualquer maneira, era uma tarefa, uma incumbência muito pesada para as funções de um jovem que disputaria as eleições.

Para sitiar bem a minha posição, quando fui Presidente do diretório da Faculdade eu sempre fui equidistante dos extremos, equidistância essa eu levei toda a minha vida.

Quando candidato fui levado por Humberto a Luiz Carlos Prestes, estive com Plínio Salgado, líder integralista, com Franco Montoro e com líderes do meu Partido, Amaral Peixoto.

Portanto quando fui candidato fui apoiado por forças muito heterogêneas e procurei exercer o meu governo da mesma maneira como tinha me portado nas funções por onde havia passado. Na política, equidistante desses extremos.

Fui eleito por uma maioria que até hoje não foi superada proporcionalmente, eu tive praticamente 80% dos votos do eleitorado paraense ganhando em todas as urnas de Belém, e nos municípios só perdi no Município de Gurupá por 85%. Foi uma verdadeira consagração. O meu opositor era um homem de bem, católico muito respeitado, Doutor Aldebaro Klautau, mas a minha eleição, repito, foi uma consagração. Ninguém até hoje superou proporcionalmente o número de votos que eu tive. Eu assumi o governo cheio de sonhos como quando me formei quando sai da faculdade. Esses sonhos, infelizmente, foram interrompidos com o golpe militar de 64. Eu fui eleito por um quinquênio e com três anos e meio me vi apeado por um golpe militar, fazendo com que eu deixasse de exercer o Governo do Estado.

Quero dizer que nessa altura do golpe militar, honrei o mandato que o povo me elegeu. Recusei-me a depor às autoridades militares dizendo-lhes que meus atos não poderiam ser apreciados por essas autoridades, só pela Assembleia Legislativa e pelo Poder Judiciário. Decretei luto oficial no Estado e quando fui chamado para depor no inquérito policial militar aí no Palácio do Governo, me recusei a depor. O general que comandava todas essas operações, mandou prender meus secretários de estado, aliás de uma maneira pouco honrosa pelas forças armadas, porque houve a invasão de seus lares e nos levaram presos. Eu telefonei ao general Bandeira Coelho, presidente do inquérito, dizendo-lhe que não havia porque prender meus secretários, quem deveria ser preso era o Governador, porque os Senhores secretários eram delegados meus de minha confiança. Ele mandou soltá-los e se apresentassem à Base Aérea de Val de Cans, às oito horas da noite, onde ficaram detidos. Eu me recolhi a minha residência e aguardei o desfecho disso.

Quando houve a revolução eu não estava em Belém, estava no Rio de Janeiro porque eu tinha sido convidado pelo Doutor Juscelino Kubitschek para fazer sua campanha no Norte, região que compreenderia o Amazonas e o território do Amapá. Eu aceitei depois de ouvir os presidentes de diretório e estava chamado nesta ocasião no Rio de Janeiro quando os tanques começaram a percorrer as ruas e ainda fui representar o Doutor Juscelino numa solenidade.

Quando estava no Rio de Janeiro, um amigo comum, o futuro Presidente da República general Castelo Branco, o Doutor Epílogo de Campos achou por bem que eu fosse à casa do general Castelo Branco, diga-se de passagem, porque conheci o marechal quando ele comandou a região Norte aqui em Belém, e eu como secretário de Interior e Justiça era um elemento de ligação entre o Governo e as forças armadas. De formas que, dadas as circunstâncias, me dava muito bem com ele e fui a sua casa em Ipanema, me recebeu bem, eu disse que estava indo a sua casa porque estava havendo modificações no Governo, intervenções nos Estados e queria saber qual era a posição do Estado do Pará. Ele me disse: “Volte para seu Estado, porque nada há contra o Senhor”. Eu vim e os boatos corriam. Aquelas forças políticas que tinham perdido as eleições, sabe, aí eu tive que ser acercado do chefe do estado maior da região, Coronel Passarinho, e começaram um momento. Mandaram as mulheres irem a Brasília para pedir a minha substituição, não tiveram coragem de ir pessoalmente.

Os boatos corriam, de que eu já tinha reservado um apartamento no Presídio São José para me recolher, mas nada disso me intimidou. Eu aguardei, até no dia que… Já nem me lembro que dia foi, um mordomo veio me anunciar que as Rádios estavam anunciando a minha deposição.

Eu fui deposto, fizeram um inquérito policial militar, em que não fui ouvido, sobre a acusação de corrupção, em que eu participaria de movimento subversivo. E, diga-se de passagem, embora esse meu histórico já esteja um pouco demorado, eu tive a coragem, como Governador do Estado, de ir à União Soviética. Fui à Checoslováquia. E isso tudo foi anotado, sabia eu, como motivo da minha deposição.

Como disse, estive com Luiz Carlos Prestes, e tinha no meu Governo elementos comunistas como o Benedito Monteiro, o que mais sofreu nessa época, sendo preso no interior do Pará por forças do exército. Enquanto perdurava o inquérito policial militar, eu permaneci no Estado à disposição das forças militares. Quando nada foi provado contra mim, eu me auto-exilei do Rio de Janeiro por dez anos, até que com a anistia eu prometi voltar para o meu Estado, mesmo porque a minha mãe não se adaptava morar em apartamento.

No Rio de Janeiro, quando devolvi o escritório na Avenida Rio Branco, eu atuei como advogado durante todo esse tempo. Então, voltei a Belém e o meu partido já seria MBB. Cogitavam que eu fosse candidato ao Senado, com a Deputação Federal, mas eu não tinha dinheiro. Eu não digo que saí pobre do Governo, mas eu saí como entrei, vivendo da minha profissão de advogado.

Nessa ocasião, morre um colega de turma no Tribunal: Doutor Edgar Lassance Cunha. E outro colega de turma presidia o Tribunal de Justiça: Doutor Osvaldo Pojucan, que me telefonou achando que eu deveria preencher essa vaga, porque essa vaga era da Ordem dos Advogados. Eu não respondi de pronto, procurei analisar, mas disse que só aceitaria depois de ouvir o Governador Jader Barbalho, que era meu correligionário político da qual sou ainda filiado a esse Partido, com muita honra, Doutor Jader Barbalho, que me disse que se meu nome constasse numa lista tríplice que o Tribunal escolheria, eu seria nomeado no mesmo dia. O que aconteceu, fui nomeado desembargador, passei sete anos até que a compulsória me atingiu.

O que quero lhes dizer, Senhores membros desta Comissão, que a melhor resposta que eu poderia receber aquilo de que me acusavam, foi a minha escolha para o Tribunal, fazendo-me representante da minha classe no Tribunal, é a melhor resposta sobre todas as acusações que se fizeram contra aquele que eleito de uma maneira tão esplendorosa, tinha sido atingido por um regime ditatorial.

Eu quero lhe dizer, também, a bem da verdade, que quando estive com o Marechal Castelo Branco na sua residência, ele me disse que aquele Golpe Militar, seria para corrigir e fortalecer o Regime Democrático, era um regime passageiro, o que, infelizmente, não ocorreu. Eu acreditei na sinceridade dele, e acredito até, por ele próprio teria sido cumprida aquela afirmação, mas os seus colegas militares gostaram do Poder e permaneceram até que o povo restabelecesse a Ordem Democrática.

Era isso como intróito que eu poderia dizer aqueles que me ouvem, e repetir que sinto-me muito honrado em trazer a minha contribuição ao episódio tão triste na história brasileira que foi a perda da sua autonomia com o Estado.

Doutor Egydio, quando aqui adentrei, me permita dizer-lhe entre os motivos de saudade, de emoção, de comoção, foi a que sempre vi na sua pessoa a figura do Egydio, seu pai, a quem me ligava por laços de amizades, profissionais, que eu recordo com muita emoção a sua figura nesta hora em que sou honrado por este convite.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE – Imagine o Senhor como eu me sinto de tê-lo aqui.

Podemos começar as perguntas da extremidade da Mesa, aleatoriamente, ou alguém se oferece para perguntar, como é que fazemos? A outra extremidade?

Eu posso começar, então?

O SR. CARLOS BORDALO – Pode.

O SR. EGYDIO SALLES FILHO – Bom, Doutor Aurélio, muito se fala que o Golpe ele teve alguns registros mais importantes. Alguns deles bem anteriores a março de 64, e um desses episódios é a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 61 e a posse de João Goulart como o seu sucessor.

O Senhor imagina que isso, de fato, contribuiu para desestruturar a ordem política favorecendo, talvez, uma pretensão dos Militares à chegada do Poder que não haviam tido a oportunidade de fazer antes?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Acredito que é uma revelação perfeita.

Só tive um contato com o Presidente Jânio Quadros, porque eu apoiei o Marechal Loth que era o seu opositor. E na única vez que estive com o Doutor Jânio Quadros de quem guardei boa impressão; me lembro bem que, entre outras coisas que nos falamos, ele queria extinguir a Estrada de Ferro de Bragança, e eu lhe ponderei que quando esteve naquela Cidade, ele prometeu, em praça pública, ligar Bragança, o Pará ao Maranhão através de uma ferrovia. E acredito que tenha suspendido a ação, mas o ministro dele, Marechal Juarez Távora, que permaneceu no Governo da revolução e nos levou à estrada de ferro de Bragança, que foi um ato que incentivou e atingiu a economia do Estado e a nossa situação financeira.

Eu, quando estive da última reunião de Governadores com o Presidente Jango, quero dizer de que o primeiro Estado que Jango visitou foi o Pará, porque foi o primeiro Estado que, oficialmente, apoiou a sua candidatura, lutou por ela, e ele veio aqui agradecer. Nessa reunião que estou me referindo nós vivemos um momento agitado na vida política, excesso de greves, perturbação da ordem pública, e outros fatos que preenchiam a nossa vida cotidiana. Eu tive a coragem de dizer ao Presidente Jango que eu era aliado político dele, ele era do PTB e eu do PSD, que eu não concordava com aquele estado de coisas, eu achava que a autoridade pública deveria tomar providências para não permanecer no estado que parecia que as autoridades não tinham a interferência necessária. Eu estou falando este fato, Doutor Egydio, porque a minha explanação, eu lhe falei a respeito da minha equidistância na minha vida toda. Assim como tive a coragem de dizer isso do Doutor Jango, tive a coragem, depois de cassado pela revolução, tomar atitude que tomei em defesa não do meu mandato propriamente, mas em defesa do mandato que o povo me havia confiado. Acho que com a deposição, ou melhor, com a renuncia do Presidente Jânio Quadros, que até hoje não explicada, criou-se um clima propicio àqueles que pretendiam o poder e o fizeram através desse golpe militar.

O SR. CARLOS BORDALO – Doutor Aurélio, sou o Deputado Bordalo. Eu acho que o Senhor deve ter convivido com familiares meus.

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Eu fui colega de faculdade do Sandoval.

O SR. CARLOS BORDALO – Que foi Prefeito de Curralinho?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Isso.

O SR. CARLOS BORDALO – Foi Deputado também?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Foi. E filho de um Deputado também, o pai dele Deputado.

O SR. CARLOS BORDALO – É, os dois foram Deputados.

Doutor Aurélio, primeiro, é uma honra para essa Comissão está podendo usufruir desta, eu diria, muito rara oportunidade. O Senhor é o Governador, único Governador vivo anterior ao golpe militar.

A pergunta que eu queria lhe fazer é: Como o Senhor descreveria o que se sucedeu nesse Estado a partir deste ato que, violentamente, lhe apeou do Poder? Como é que o Senhor descreveria a atmosfera, os atos que o Senhor pode presenciar naquele momento?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Olhe, Deputado Bordalo, fico muito honrado pela sua interpelação. Eu não me senti muito a vontade, mais a vontade do ambiente que se criou em torno daqueles que exerceram o Poder da minha época. Eu sentia que pessoas a quem eu procurei ajudar se afastavam de mim, eu me sentia como se fosse um leproso moral no meu Estado e os atos administrativos do Governo que me sucedeu foram atos de perseguição política, atos que se refletiram na vida pessoal de cada um dos meus auxiliares e não me senti mais à vontade de viver na minha cidade, no meu Estado. Daí ter ido para o Rio de Janeiro, ficando distante de tudo que se passava aqui e talvez não respondendo a contento toda a sua pergunta, dada minha ausência de dez anos.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANODoutor Aurélio do Carmo, gostaria de saber quais foram os veículos de comunicação que se colocaram contra e favor da posse de João Goulart?

O SR. AURÉLIO DO CARMONão me lembro. Posso lhe dizer a Folha do Norte era um jornal de oposição ao meu Governo, ás forças políticas que me levaram. Então, o que houve no Pará foi o que houve no Brasil todo. Essa imprensa que vive dos favores dos Poderes Públicos, toda ela se voltou a favor da revolução e contra a posse do Jango.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANOQuais eram esses veículos? O Senhor pode citar?

O SR. AURÉLIO DO CARMOAqui no Pará tínhamos a Folha do Norte, tinha o Jornal da Vanguarda, o Jornal do Associado.

A imprensa tomou essa posição e com raras exceções, os jornais vivem dos favores do Poder e quando se é apeado do Poder como nós fomos, essa imprensa que deveria ser tradutora dos sentimentos populares toda ela apoiou o regime, e, diga-se de passagem, apoiou também porque acreditava que os militares vieram ao Poder apenas como uma transição e que devolveriam esse Poder ao povo, através das eleições livres.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANOAs emissoras de rádio também tiveram a mesma conduta?

O SR. AURÉLIO DO CARMOA conduta em geral foi essa. Não foi só no Pará, foi em todo o país.

O SR. PAULO FONTELESDoutor Aurélio, antes de mais nada gostaria de saudar o Presidente Egydio Salles, o Deputado Bordalo e em seu nome saudar a todos os comissionados que estão aqui, como também aos que nos assistem.

Saudar, sobretudo, a presença do Governador Aurélio do Carmo. Único Governador vivo que foi cassado naqueles dias terríveis de 1964.

Gostaria de saudar sua longevidade e sua clareza de exposição.

Naturalmente que com base em vossa contextualização, o Senhor que foi eleito em 1962 com mais de 70% dos votos do Pará, enfrentando o consórcio político da antiga CDP, Coligação Democrática Paraense e que foi como muitos Governadores do país apeado do poder por conta da quartelada de 1964, como também vítima de um IPM, Instituto Policial Militar, no qual o Senhor foi acusado por corrupção e por subversão e o Senhor não teve nenhuma possibilidade de fazer sua própria defesa. Característica do período de exceção e do terrorismo praticado no país no período ditatorial.

A pergunta que gostaria de lhe fazer é a seguinte: Quem foram os golpistas no Pará?

Acho que isso é algo importante para que a sociedade paraense, no limiar do século XXI, tenha clareza de quais as forças políticos e as personalidades políticas envolvidas no Golpe Militar de 64.

Junto a esta pergunta, Doutor Aurélio, gostaria de saber de Vossa Excelência, qual foi o papel do, então, Coronel Jarbas Gonçalves Passarinho, para a quartelada de 31 de Março de 1964?

Quer dizer, quem eram os golpistas; o papel de Jarbas Passarinho e uma terceira pergunta: qual foi o papel do Ebade em todo esse processo. O Ebade era um instituto reconhecidamente financiado pelo capital estadunidense e que nos termos do país daquele período jogou um papel muito importante no sentido de, através dos dólares americanos, fazer e promover o Golpe Militar de 64, particularmente mobilizando os civis para isso.

Então, quais eram os Deputados ligados ao Ebade, no Pará, e qual o papel que o Ebade teve, tanto do ponto de vista nacional como do Estado do Pará.

Doutor Aurélio, são três perguntas.

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Vou procurar responde-las na ordem que me foi perguntada.

Em verdade, o que ocorreu no Pará, aproveitado aquele momento histórico, foi que as forças políticas de oposição, que perderam as eleições no Estado, nunca se conformaram que o neto de um vaqueiro do Marajó fosse Governador do Estado. Então essas elites, pretendidas elites, nessa época, se confundiram com os anseios populares e procuraram, através do elemento de prol do Exército, Cel. Jarbas Passarinho, com quem eu me dava muito bem, tanto que nas reuniões sociais ele freqüentava a minha casa. A sua mulher tomou parte do Diretório Acadêmico que eu presidi. E sorrateiramente eles começaram a se organizar, se houvesse uma reação nossa eles estavam preparados para nos agredir. O que me causou espécie, no caso, é que o Cel. Passarinho mandou a sua mulher falar com a minha primeira mulher para dizer que ele nada tinha com o movimento militar.

Solicitou ao Doutor Raimundo Viana, que era meu Secretário de Justiça, uma reunião em sua casa em que ele reafirmou isso. Quando eu sabia que ele efetivamente é quem comandava essas forças, sobre pretextos variados, para que o poder fosse tomado por eles.

Quanto às forças proferidas pelo meu amigo, e nesta ocasião eu presto minha homenagem ao Paulo. A família Fonteles sempre me apoiou não politicamente, mas apoiou o meu governo naquilo que achava que era correto.

E nós sabemos, pela leitura dos jornais da época, aliás estive nos Estados Unidos com o Governador, da influência que os Estados Unidos tiveram no Golpe Militar. Os seus navios estavam próximos para apoiarem militarmente qualquer ato de resistência. Aliás, aqui no Pará o meu Comandante da Polícia Militar, Coronel Iran do Exército, ele queria que nós resistíssemos. Eu ponderei, ele que era Oficial do Exército, nós teríamos que sacrificar vidas e seria mais um Tiradentes da vida da história política do Brasil. E não resistimos militarmente como era do nosso desejo. O Mauro Borges ainda ensaiou, em Goiás, um movimento, mas a coisa ficou nisso.

Então, efetivamente essas forças estranhas da vida política nacional tiveram ação preponderante no golpe militar. Não é difícil antever o que ocorreu naquela época, porque ainda ocorre hoje, nós continuamos num satélite político à mercê ainda das orientações do envolvimento dos Estados Unidos, um pouco diminuído agora com a política externa que se propôs no ex-Presidente Lula.

Não sei se estou respondendo inteiramente, plenamente àquilo que me foi perguntado, mas caso não tenha feito pode complementar a pergunta afim de que eu possa satisfazer a sua solicitação.

O SR. JOÃO LÚCIOEu sou João Lúcio, sou representante do Arquivo Público do Estado do Pará na Comissão Estadual da Verdade.

Boa tarde, Doutor, é uma honra estar aqui presente a seu lado. Gostaria de iniciar pedindo para o Senhor nos contar como foi a eleição de 1960. Gostaria também que o Senhor tivesse a bondade de nos brindar a respeito de como foram as eleições para Presidente da República em 1960 no Estado, que grupos políticos apoiaram o General Lott, do qual o Senhor fazia parte, que grupos apoiaram o Jânio Quadros, e que grupos fizeram a campanha do João Goulart a vice-presidente no Estado do Pará. O Senhor tem lembranças desses fatos históricos?

O SR. AURÉLIO DO CARMOAqui no Pará o Partido Trabalhista Brasileiro, meu aliado político, tomou o papel destacado nesse episódio. Da época foram três partidos políticos: o nosso PSD, o PSP, Partido Social Progressista, a União Democrática Nacional e outros partidos menores, o Partido Democrata Cristão.

Então, o grosso apoio a esse movimento foi justamente da União Democrática Nacional e do Partido Social Progressista, eram os Partidos de maior expressão há época.

O SR. JOÃO LÚCIOEu gostaria de abordar com o Senhor, e vou fazer duas, três perguntas e depois irei reter-me para os outros poderem falar.

Como o Senhor já discorreu sobre a renúncia do Jânio, gostaria que o Senhor comentasse para nós como foi a resistência democrática aqui no Estado do Pará.

Sabe-se que o Jânio Quadros, o Comandante do Exército Odílio Denis, o da Marinha Silvio Heck, e da Aeronáutica Gabriel Grun Moss tentaram impedir a posse de Jango, foi preciso que Leonel Brizola reagisse criando a cadeia de legalidade a partir do rio Grande do Sul que contou com a anuência dos militares notadamente do Comandante do 3º Exército Machado Lopes, desta forma garantindo a posse de João Goulart.

Aqui no Pará o Senhor foi sondado, contratado para apoiar o posicionamento contrário à posse de João Goulart? Vieram conversar com o Senhor para o Senhor ficar contra a posse de João Goulart? Se não houve esse pessoal, o que o Senhor fez para que o estado do Pará apoiasse a posse do João Goulart? Sabemos que no livro ‘Cabanos e Camaradas’ do Alfredo Oliveira ele cita a participação do Humberto Lopes e do, salvo engano, foi o Jinks ou foi o Rui Barata que estiveram com o Senhor no Palácio organizando a resistência. O Senhor poderia nos esclarecer esse momento histórico da Resistência Democrática aqui no nosso Estado da qual o Senhor participou pela posse do João Goulart?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Meu prezado companheiro ninguém teve a coragem de me procurar no sentido de não apoiar João Goulart, sempre tive uma vida tranquila, absolutamente no meu entendimento correta politicamente e nós aqui foi o primeiro estado que apoiou a posse de João Goulart. Diga-se de passagem, eu fiz uma reunião no Palácio do Governo a qual se uniram todas as forças políticas, o Arcebispo Metropolitano, Doutor Aldebaro enfim, todas as forças políticas do Estado tomaram uma posição oficial de apoio a posse de João Goulart tanto que, como disse antes, o primeiro estado que ele visitou para agradecer esse apoio foi o Estado do Pará. O Doutor Jango dormiu na nossa casa do Governador ali da Avenida Magalhães Barata, passou a noite e saiu do estado agradecido pela posição corajosa que nós tivemos sempre a quando desse episódio.

A SRA. JUREUDA GUERRA – Sou da Comissão e represento o Conselho Regional de Psicologia. É uma honra poder também nesse momento está aqui presente com o Senhor recontando a história do Pará e do Brasil. Chamou-me atenção na sua colocação um termo que o Senhor utilizou quando disse: ‘ parecia que eu era um leproso social’. Sabemos que a ditadura traz, possibilita para as pessoas que viveram, para os familiares um sofrimento que não tem tamanho, é impossível mensurar a forma como a ditadura possibilitou sofrimento nas pessoas de forma diferenciada, mas não se pode dizer que é um sofrimento maior que o outro. Quando foi possível retornar após a Lei da Anistia, queria que o Senhor contasse para gente que a partir da Lei de Anistia esse espaço de 1979 até ser instaurada a lei que cria a Comissão da Verdade e que verdadeiramente podemos falar sobre isso, porque com a anistia e o suposto perdão que houve, que a anistia tecnicamente funcionou desta forma um perdão para ambos os lados, queria que o Senhor falasse: Qual a sensação que o Senhor tem neste momento, embora tenha vivido a anistia, mas se é agora que o Senhor se sente mais a vontade e verdadeiro, cumprindo o papel para o povo brasileiro em estar recontando essa história?

O SR. AURELIO DO CARMO – Olhe minha querida jovem, aqui no Pará houve tortura física e houve torturas morais, eu apenas tive torturas morais. Perceber um jovem, que aos 38 anos de idade é eleito por uma maioria esmagadora Governador do Estado e de repente, sem qualquer preparo psicológico e apeado do poder e cada dia que passa, tenho convicção plena de que fui um injustiçado, nada justificaria a minha saída do Governo.

Cada um de nós tem um tribunal que se chama consciência e eu quando tinha essa idade e hoje, quase beirando os cem anos, com maior convicção posso dizer-lhes aqui que fui um injustiçado. E como injustiçado aqueles que às vezes não são pretendidos em suas pretensões, podem sentir o que eu senti. Senti, sinto como o golpe militar me fez mal.

Fez mal a mim e minha família, fez mal aos anseios de uma juventude que era escolhida para dirigir o poder e que não pode executar os seus propósitos. Nesta hora em que se procura dizer a verdade, se procura através de uma Comissão tão bem estruturada aquilatar os acontecimentos de seus efeitos da história política do Brasil, me sinto a vontade de procurar traduzir aquilo que senti na época em que fui apeado do Poder, possa acreditar minha prezada amiga, que só os que são atingidos podem, nem sabe traduzir os sentimentos daquilo que sofreram.

Uma vez eu era associado da cooperativa do Estado, Cooperativa dos Fazendeiros e sempre tive mania de criar gado, sempre fui um pequeno criador e eles estavam fazendo elogios à revolução desrespeitando minha presença lá. Permita-me dizer esse episódio, e eu disse aos fazendeiros: “A coisa que mais preocupa aquele que cria gado…” – era naquela época e ainda é – “… é a febre aftosa”. Eu disse: ““… Olhem, só sente os efeitos da febre aftosa os proprietários que já tem no seu gado. De forma que revolução foi boa para vocês, mas nunca para homens como eu que tiveram a dignidade de discutir os problemas, nem sempre de maneira a satisfazer as “ceguices sociais”.

Não sei se estou respondendo a altura sua pergunta, mas fiquem a vontade na existência de outras.

O SR. EGIDIO SALES -….

O SR. PRESIDENTE – Doutor Aurélio, o Senhor está respondendo à altura sim, está sendo muito bom ouvi-lo, inclusive por conta desse aspecto emocional, o seu testemunho vale não apenas por rememorar os fatos, mas por trazê-los mesclado com a sua emoção, com a sua forma de ver o que aconteceu.

E estamos também muito à vontade para fazer as perguntas e transformar esse seu testemunho em uma conversa de amigos a despeito dessa grande diferença de idade que há entre todos nós e o Senhor.

Mas, volto a uma referência que o Senhor fez a respeito do momento imediatamente pré-64, o Senhor disse que aquele momento era muito agitado, marcado por greves e outros eventos que comprometiam de algum modo a ordem social.

A pergunta que faço ao Senhor é a seguinte: De que modo o Senhor acha que esse clima de certa instabilidade social e a necessidade de restauração de uma ordem, pode ter inspirado em parte o Golpe de 64?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Olhe, o que faltou naquela época no meu modo de entender, houve um exagero das greves, me lembro que aqui no nosso Estado houve uma greve. Não! Uma reunião de elementos opositores ao meu Governo que aproveitavam essas ocasiões.

Eu não era contra as greves, eu era contra a maneira que eram feitas e ainda hoje são feitas, prejudicando o cotidiano, a vida nacional.

Convidaram-me para essa reunião onde hoje é a CELPA, onde naquela época se concentrava a força do proletariado, e ouvi todas as acusações que se faziam ao meu governo, e era natural que se fizesse, e os meus secretários achavam que eu não deveria comparecer a essa reunião, dada a maneira agressiva como se portavam contra esses órgãos existentes.

Fui, contrariando a vontade deles, ouvi como sempre fiz, depois de cumprimentá-los por ter tido a franqueza de falar tudo aquilo naquela ocasião, mas, sobretudo, me cumprimentava por ser um Governador que podia em um país ouvir os reclames da população, de forma que ainda neutralizei e sempre fiz assim, nunca guardei distâncias no exercício dessas funções, de maneira que sempre fui e sou recebido pelas camadas mais pobres desse Estado.

Então, o que posso lhe dizer é que, repito, não sou contra as greves, o que fui e sou efetivamente é contra o abuso daquilo que perturba a vida social, que perturba o cotidiano e perturba as pessoas que nada têm com as reivindicações que são feitas por aqueles que praticam a greve.

Então, esse fato, e hoje aqui na história nacional estamos vendo um pouco desse momento, não acredito que a Presidente eleita, a continuar esse clima de desconfiança pelo comportamento do governo nacional, possa tranquilamente exercer as suas funções.

O SR. PRESIDENTE – Então, o Senhor acha que o seu posicionamento pessoal em relação aos movimentos sociais, com o exemplo que o Senhor deu de uma visita e um diálogo franco com os movimentos sociais, era esse o caminho, não necessariamente o caminho de uma repressão, que visava cercear a liberdade de manifestação?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Nunca, em hipótese alguma, na minha vida toda, eu pensei que fosse tão cerceada a liberdade do povo de externar os seus anseios. Então em qualquer época, em qualquer tempo, um movimento que tenda criar objeções a essa tranquilidade da vida, sobretudo a liberdade de expressão, promete que todos nós, democratas, e aqueles que aqui estão procurando representar a organização da apuração da verdade dos fatos, acredito que todos nós não podemos aceitar que mesmo com esse sentimento muitas vezes exagerado, não podemos aceitar a ruptura do regime democrático.

O SR. PRESIDENTE – Eu lhe pergunto então: diante dessas convicções que o Senhor tem hoje, quando o Senhor teve a possibilidade de conversar com um dos expoentes do golpe militar, que foi o general Castelo Branco, e àquela altura parecia que a intervenção dos militares seria transitória, teria havido certa ingenuidade, nessa avaliação, por parte daqueles que eram considerados, como o Senhor, democratas autênticos?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Eu fui ingênuo e sou ingênuo muitas vezes. Então, acreditei. Acreditei porque como cidadão fui militar, eu sou segundo Tenente da Infantaria da Reserva e quando estive servindo no Exército, os ensinamentos que recebi nos quartéis foram muito diferentes daqueles que tomaram o Poder. Gostaram do Poder e se esqueceram de exercer aquilo que é mais democrático e livre e a manifestação dos anseios populares.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – Sou jornalista e advogada, represento o sindicato dos jornalistas do Pará. Devo registrar ainda que o sindicato dos jornalistas do Pará é o único em todo o Brasil que tem assento na Comissão Estadual da Verdade no Pará.

Doutor Aurélio do Carmo, o Senhor lembra qual foi a participação do então arcebispo, D. Alberto Ramos, nos episódios durante a ditadura militar? E também, qual foi o papel dos fazendeiros? – O Senhor falou dos fazendeiros – Qual foi o papel dos fazendeiros do Marajó e da Belém-Brasília, de modo especial, na preparação do golpe civil militar?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – A Igreja Católica, através do seu arcebispo à época, apoiou integralmente o golpe militar. E correm notícias, não sei se é verdade, de que o próprio arcebispo denunciava elementos do Clero para as forças que dominavam.

Quanto aos fazendeiros, essa mentalidade existente na questão da terra, os latifúndios produtivos, o sentimento que se tem de propriedade, muitas vezes esses sentimentos são ofuscados por exageros, quer de um lado, quer de outro. Eu sempre respeitei a propriedade privada, sou advogado e quero dizer também que sou decano dos jornalistas do Pará, como sou decano dos advogados também. É uma honra para mim e que minha longevidade permaneça para que eu possa contar com isso tudo.

Então a posição, efetivamente, do clero aqui, do clero não, do Senhor arcebispo, não foi correta no meu modo de entender e os fatos posteriores viriam demonstrar a maneira insólita com que o Senhor arcebispo tomou parte nisso.

O SR. CARLOS BORDALO – Quem era o arcebispo a época?

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – Dom Alberto Ramos.

O SR. CARLOS BORDALO – Muito bem, só para registrar. Mas Doutor Aurélio, vou permitir ao Senhor que possa também nos dizer sobre seu período de governo que chegou a exercer por três anos e meio. Se o Senhor pode nos indicar, na sua avaliação, uma, duas ou três medidas que o Senhor fez nesse período, que reputaria como importante para o desenvolvimento do Estado até hoje? Eu posso lhe adiantar uma aqui no meu juízo.

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Pois não, é bom que essa pergunta seja feita, porque até hoje não se fez justiça a atos do meu governo que tiveram maior expressão. Ninguém se lembra por exemplo, que o Banco do Estado do Pará passou a ser exercido no meu governo. Ninguém se lembra que a descoberta da província de Carajás foi no meu governo. Eu cheguei a ir aos Estados Unidos – naquele tempo o Presidente John Kennedy estava no exercício de Presidente – para pedir permissão a ele para que nós, ao invés de darmos os alimentos para a paz que ele nos mandava, que eu vendesse esses alimentos para construir uma estrada que se chamava Belcan, isso há cinquenta anos e construir uma siderúrgica no nosso Estado. Isso foi no nosso governo. No nosso governo só havia ensino médio na capital. Eu instalei um ginásio em Santarém, Alvorador e Lameira Bittencourt em Castanhal, daí quando começava então a surgir escolas de ensino médio gratuito no interior.

A nossa obra de maior repercussão, talvez, é que nós colonizamos o sul do Pará sem sangue. Nós fizemos a reforma agrária no Pará sem sangue. Depois quando fui corregedor da justiça, fui instalar sete comarcas no interior, fiquei tão feliz de ver que aquela obra teve o auxílio decisivo do Benedito Monteiro, eu pude ver realizada com a colonização do Pará. O Sul do Pará, para quem não conhece, é um Pará diferente, ele foi colonizado por gente do sul, por aqueles que vieram, efetivamente, com o desejo de trabalhar e hoje o sul do Pará é uma expressão. Diga-se de passagem, eu tenho usado essa expressão muitas vezes.

Será difícil administrar um estado tão grande como o nosso, tornando possível a divisão futura do nosso estado. Porque não há Governador que possa exercer o seu mandato, na sua plenitude, em um estado tão grande, em localidades tão longínquas. Eu pensava, conversando com uns amigos, que o Estado do Pará deveria ter, além do Governador, dois vices-governadores: um para Santarém e outro para Marabá, para efetivamente, administrativamente, o estado exercer a sua função.

Eu estive há dois anos em Santarém. Santarém tem mais contato com Manaus do que com Belém, mas eles até não nos querem bem, porque veem seus problemas não serem assistidos. Mas talvez não seja decisão governamental, e sim impossibilidade de exercer a função administrativa em estar em áreas tão longínquas.

O SR. PRESIDENTE – Doutor Aurélio, eu considero que a sua medida de interiorização do ensino médio talvez seja, de todas as suas medidas, aquela que tenha tido a maior importância. Porque, sem educação não vamos a lugar nenhum.

Mas eu fico muito triste de lhe informar que até hoje este processo de interiorização ainda precisa ser mais expandido. Para o Senhor ter uma idéia, o município de Cametá, que tem mais de 400 anos, possui somente dois distritos com escola de 2º grau, e ele tem dez distritos. E esses dois distritos que possuem escola de 2º foram implantados bem recentemente, até 2010, no período entre 2006 e 2010.

Então, quero deixar registrado que o Senhor foi um visionário, por ser o primeiro governador a levar o ensino de 2º grau para ser instalado no interior. Até a sua gestão, havia escola de ensino médio somente na capital.

Passo a palavra ao Senhor João Lúcio, do arquivo público.

O SR. JOÃO LÚCIO – Nós achamos, a partir da leitura do livro “Na Planice”, do Jarbas Passarinho, que a articulação civil e militar iniciou, para a derrubada do Governo João Goulart e o seu, a partir da presença do General Estevão Taurino Rezende, da 8ª Região do Comando Militar da Amazônia. Na qual, na entrevista de 1982, que o Senhor concedeu ao Carlos Roque, juntamente com o Moura Carvalho, ele vai afirmar em palavras claras que foram motivos fúteis que levaram a sua cassação, já que não havia nada que comprovasse que o Senhor tivesse cometido atos desonestos.

Então eu gostaria de saber, a partir da leitura desse livro, Na Planice, e dessas entrevistas, se o Senhor lembra quais foram os grupos empresariais que financiaram o Golpe aqui no Estado do Pará. Eu vou lhe citar alguns: a Importadora de Ferragens, do Amílio e o Antônio Velho; a fábrica de refrigerantes, Guarasuco; as lojas Seta; a Viação Paraense; a Conama. O Senhor tem lembrança de quais mais grupos empresariais financiaram o Movimento de 64, o Golpe Militar, aqui no Estado?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Olha, quero dizer ao meu prezado interlocutor, e a vida toda gira em torno dos interesses.

Esses grandes grupos instalados no Estado se viam ameaçados, achavam que a permanência do Governo João Goulart, a continuidade disso seria uma permanente ameaça aos áulicos do Governo. Essas empresas todas eram beneficiadas pelo Governo, e qualquer modificação nesse sentido, só teria a contrariedade delas, e muitas delas, eu prefiro não citar nome, contribuiu para o apoio ao Golpe Militar. O que considero até justificável sob um aspecto maior, elas eram servidas pelo Governo, o Governo os beneficiava, e aquilo representava uma interrupção a esse auxílio que elas recebiam, nem sempre, corretamente do Governo do Estado.

O SR. PRESIDENTEA palavra continua franqueada aos membros da Comissão.

O SR. PAULO FONTELESCaro Governador Aurélio do Carmo, queria lhe fazer uma pergunta: O Senhor aborda essa questão dos grupos econômicos.

Todos nós sabemos que uma das primeiras medidas da Ditadura Militar no Pará foi, exatamente, medidas de caráter econômico, como, por exemplo, a desativação da Estrada de Ferro Belém Bragança. Parece que feita pelo Juarez Távora em 65.

O Senhor podia descrever para nós, mesmo o Senhor já tendo os seus direitos políticos cassados, como foi esse processo, do desmonte da Estrada de Ferro Belém Bragança e o impacto que teve esse desatino com a economia local, particularmente, nessa economia do Nordeste do Pará?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Olha, eu vivi, logo que me formei fui nomeado Promotor Público de Castanhal, e andava nos trens. Havia dois tipos de trens: o trem misto, que era o trem de carga e o trem de passageiro. A modificação que houve no Estado com exceção da Estrada de Ferro de Bragança; e a Guerra, a última Guerra, no Município de Igarapé Açu foi instalada uma base de zeppelins, os americanos instalaram uma em Igarapé Açu. Naquela época só os trens rodavam, foi quando começou a fase rodoviária naquela Região.

Eu que andei, assim como o General Barata, naqueles trens, com a roupa queimada pela fuligem, vendo o transporte de cargas, não eficiente mas razoavelmente eficiente, para depois os preços dados no transporte dessas mercadorias, possibilitando a vinda dos produtos do interior para a Capital, posso dizer para você: foi um grande impacto a extinção da Estrada de Ferro de Bragança.

Duas coisas erradas assim de passagem: A Estrada de Ferro de Bragança foi uma delas; outra, a extinção da PANAIR do Brasil. Aquilo foi uma coisa, um impacto enorme na nossa vida, na vida de todo o Estado. Preocupava-se servir a grupos contrários aqueles que exploravam esse ramo como era a PANAIR do Brasil.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – Governador Aurélio do Carmo, o Senhor pode nos dizer quem era o Comandante da 2ª Sessão do Exército na época da Ditadura aqui no Pará? Quem era o dirigente da DOPS? E se o Senhor tinha alguém na sua Polícia Militar que lhe dava informações sobre jornalistas, sobre trabalhadores, sobre advogados e outras pessoas?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Olha, quanto a primeira pergunta, nós sabemos que isso é era o Coronel Jarbas Passarinho.

Agora, quanto esses informes, eu quero lhe dizer: Eu fui delegado de polícia, Delegado de Ordem e Política Social, onde haviam fichários de comunistas e integralistas. Quando eu fui delegado de polícia, eu nunca abri esse repositório para ver quem era ou não era comunista ou integralista, porque me repudiava que nós tivéssemos uma área em que a liberdade fosse vigiada, a liberdade de manifestação fosse vigiada. Eu sempre fui um admirador dos idealistas, eu admirei Prestes, admirei o Plínio Salgado, admirei o companheiro que se foi Cleuber Fato, admirei o Paulo Fontelles pelas suas convicções, nem sempre batendo palmas, mas os idealistas merecem o registro na vida de todos.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANO – Quanto ao DOPS, o Senhor lembra quem era o dirigente?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – O que?

O SR. PRESIDENTE – O Senhor lembra quem era que dirigia o DOPS, Delegacia de Ordem Política e Social na época em que o Senhor era Governador?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Eu nem me lembro. Na nossa época de Governador nós não tínhamos essa preocupação, sinceramente, não estou dizendo isso para modificar o seu conceito a respeito da minha posição. Mas eu nunca, nunca me apercebi dessa questão menor, do meu modo de entender, da política do Estado. Eu posso dizer que quando Governador eu fui um homem aberto a todas as manifestações que eram favoráveis e contrários ao meu Governo. Então, eu nunca tive essa preocupação, então, sinceramente, não posso lhe responder quem exercia essa função, porque também não era relevante, ao meu Estado, eu saber quem era a favor ou contra mim.

O SR. PRESIDENTE – Doutor Aurélio vou lhe fazer uma outra pergunta a partir de uma afirmação feita na sua primeira fala. O Senhor disse que dentre os seus Secretários houve muitas prisões, mas que um dos que mais foi atingido foi o Deputado Benedito Monteiro. Bom, nós temos conhecimento de que ele foi trazido depois que foi preso aqui para onde hoje funciona o Boteco das 11 Janelas, funcionava uma companhia de guardas aí, acho que era e 5ª Companhia de Guarda. Bom muitas outras pessoas também foram trazidas para ai. O Senhor lembra que locais eram utilizados como prisões? E se naquela época o Senhor tomou conhecimento de torturas?

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Olha, eu só vim tomar conhecimento, efetivamente, dessas torturas muito posteriormente. Quer dizer, alguns familiares desses presos me contaram, me contaram com muita reserva, porque o que acontecia na época o pessoal tinha medo, medo de falar. Lembrou-me um fato usada uma expressão não pouco muito correta, mas eu vou dizer aqui: Doutor Egydio havia cagaço no nosso Estado, concomitantemente os fatos. Nós só tomávamos conhecimento muito depois.

Eu quando deixei de ser Governador, as pessoas atravessavam as ruas para não falar comigo. Então, esse era o clima que foi instituído em nosso Estado, havia um medo, medo de tudo e de todos, a normalidade em nosso Estado foi muito prejudicada com esse regime que se sucedeu.

Diga-se de passagem, eles se intitulavam moralistas, mas nunca… depois de nós a corrupção campeou, muita liberdade como naquela época.

Disse uma vez brincando com jornalistas seus colegas: Olha, nós engatilhávamos em corrupção depois que vi isso tudo.

O SR. PRESIDENTEFique à vontade para dizer sobre a sua disponibilidade de tempo.

O SR. AURÉLIO DO CARMOSe vocês me livrarem às 17 horas, temos mais uns vinte minutos. Vocês vão entender, na minha idade estamos intervalados com remédios, isso, aquilo. É natural que isso ocorra, de forma que um período muito permanente nessa posição incomoda.

Mas estejam à vontade.

Esclarecei tudo que possa.

O SR. PRESIDENTEEstabelecemos como limite da nossa Reunião 17 horas.

O Senhor João Lúcio fará uma pergunta, depois o Senhor Paulo Fontelles.

O SR. JOÃO LÚCIOSenhor Governador, gostaria que o Senhor tentasse lembrar-se de dois episódios que o Coronel Jarbas Passarinho relata no livro dele A Planície. Primeiro, no dia 31 o Senhor estava no Rio, na convenção do seu partido para indicação do Juscelino Kubitschek às eleições de 1965 à Presidência e nessa noite de 31 o General Ramagem tinha chamado os comandantes militares e o seu Vice Newton Miranda estava presente lá.

Nessa noite o Coronel Iran Lima, Chefe da Polícia Militar, quis desfechar o golpe, mas o seu vice Newton Miranda não permitiu que isso ocorresse.

Lendo a entrevista do Moura Carvalho, que ele concedeu justamente com o Senhor em 1982 ao Carlos Roque, no O Liberal, ele afirma que quando soube do movimento, e ele já sabia que aconteceria o golpe, deu ordem para que o Newton Miranda apoiasse o golpe e, posteriormente, como ele era o seu líder, o Moura Carvalho, solicitou que o Senhor fizesse um manifesto de apoio ao movimento de 1964. O que o Senhor acha que realmente ocorreu naquela noite do dia 31 para que o golpe não tivesse sido implantado no Pará no dia 31 de março?

O SR. AURÉLIO DO CARMOQuanto à data de ter sido ou não implantado, quero defender a memória de Moura Carvalho e de Newton Miranda, que foi meu vice-governador.

Quando houve o golpe, o nosso dever como líder político era lutar para proteger os mais fracos do nosso partido.

Pelo menos a minha luta pessoal não foi por ter sido apeado do Governo, mas lutei para permanecer com o mandato para que eu pudesse corresponder aos anseios do povo e não deixar que atos de perseguição fossem feitos como foram.

O Newton e o Moura Carvalho sempre foram homens abertos, homens que lideram com o povo de maneira que tiveram sempre, nas eleições a que se submeteram, verdadeira consagração nas urnas. Então, não sei se nesses episódios fizeram, até que houve uma nota do Governo do Estado apoiando a revolução, e teve repercussão negativa, era porque efetivamente, com a sinceridade com que estou lhes falando, nós acreditávamos que aquilo fosse um movimento transitório e que se procurasse apenas restabelecer a ordem pública, sem outra preocupação maior.

Então essa é a posição do Governo, naquela época, para que eu possa ser julgado pela história.

Nunca fomos a favor do golpe ou outra qualquer medida restritiva. O que na ocasião fizemos, como contei aqui. Estive com o Marechal Castelo Branco. Ele me garantiu que o que estava ocorrendo no Brasil seria episódio rápido, transitório e que as Forças Armadas voltariam tão logo achassem que a ordem estava restabelecida, um pouco ameaçada.

É isso que eu posso dizer a respeito do comportamento de auxiliares e companheiros de partido, a respeito do episódio.

O SR. PRESIDENTE Obrigado.

O SR. PAULO FONTELES Caro Doutor Aurélio do Carmo, gostaria de fazer uma pergunta, porque, segundo os dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, quando relata a questão das vítimas da Ditadura Militar, sinaliza que uma das primeiras vítimas do período repressivo do país foi exatamente a figura de Benedito Serra que, em 1964, era Presidente da Associação dos Lavradores da Zona Bragantina. Vossa Excelência conheceu Benedito Serra?

O SR. AURÉLIO DO CARMO Conheci. Eu privava contra alguns elementos comunistas do meu governo. Como disse, o Humberto, que foi assassinado depois no Rio de Janeiro, foi quem me levou ao Luis Carlos Prestes.

Eu tinha intimidade com eles todos. No Palácio do Governo não havia distâncias. Se seu pai e seu avô estivessem vivos eles diriam da maneira como eu tratei. Eu nunca dei distância politicamente. Era um homem que tranqueava o Palácio, dialogava, nem sempre aceitando as reivindicações que me eram apresentadas, porque quando fui eleito governador eu sentia que era povo; quem estava no governo era povo. Povo, quer dizer, eu era um elemento humilde que viveu desde aos doze anos de idade, lutei para vencer esses episódios, esses casos na minha vida e Deus tinha me permitido exercer o mais alto cargo do Estado. Eu tinha o dever de corresponder a isso tudo. Eu me sentia povo. Não estou dizendo isso com vaidade, mas é que quando fui governador o meu primeiro ato foi dizer: este Palácio é de vocês. Por sinal abusaram muito. (Risos). De forma que eu me sentia povo e como tal exerci o meu mandato.

Conheci o presidente a quem Vossa Senhoria está se referindo. Privei com eles.

O SR. PAULO FONTELES Uma outra pergunta, Senhor Governador, é com relação a essa luta pela redemocratização do Brasil. Vossa Excelência teve os seus direitos políticos cassados entre 1964 até 1979. Queria lhe perguntar: como é que foi, no Pará, esse período da luta pela redemocratização que foi um período importante do nosso país. Todo o Brasil conspirava pelo fim da ditadura militar e esse fim passou naturalmente pelo processo da lei da anistia e pela multitudinárias ações com relação às “Diretas Já”. Vossa Excelência já estava aqui no Pará nesse período. Quais são as suas lembranças desse processo?

Por fim, Senhor Governador, quero lhe parabenizar pela memória, pela clareza, pela longevidade e pelo depoimento.

O SR. AURÉLIO DO CARMO Essa passagem episódica da nossa vida em nosso Estado ocorreu naturalmente. Havia um espírito generalizado contra esse estado arbitrário de coisas. Então as coisas se processaram normalmente, naturalmente, e hoje, como ontem e como será sempre, as coisas ocorrem naturalmente, umas mais dignas de registro do que outras. E confesso-lhe que não traduziria bem o espírito da sua pergunta, porque não tenho elementos satisfatórios para fazer. Acho que foi um movimento natural, natural de povo, natural de associação daquilo que ocorreu e que ocorre hoje.

O SR. PRESIDENTEGostaria de pedir aos membros da Comissão para que essa seja a última pergunta.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANOGovernador o Senhor tem lembrança de que ainda em 1963 houve a invasão de uma assembleia do sindicato dos petroleiros por golpistas e que a PM teria dado cobertura e que teria usado de força desproporcional apenas quanto aqueles que estavam com um lenço branco? Isso foi relatado pelo ex-Governador Jarbas Passarinho no seu livro “A Planície”. E também fez outro relato, no mesmo livro, a respeito da invasão da Faculdade de Odontologia, isso também é relatado no livro do Pedro Galvão, do André Nunes, que na invasão da Faculdade de Odontologia, dessa vez em 30 de março de 1964, houve participação da PM. O Senhor tomou conhecimento disso, e que providências o Senhor tomou?

O SR. AURÉLIO DO CARMOQuando se fala em repressão é preciso que entendamos o papel da autoridade, para que possa efetivamente analisar os autos praticados pela autoridade e pelos abusos da autoridade.

Então, se naquela época a Polícia Militar usou de meios que são relatados pela colega jornalista no livro do Coronel Jarbas Passarinho, eu lamento se efetivamente ocorreu e da maneira que ocorreu, fazendo questão de distinguir autos de autoridade e abuso de autoridade.

O SR. PRESIDENTEEssa foi a nossa última pergunta, eu gostaria de agradecer imensamente…

A SRA.FRANSSINETE FLORENZANOSenhor Presidente.

O SR. PRESIDENTE – Pois não.

A SRA. FRANSSINETE FLORENZANOEu recebi um documento e gostaria de consultá-lo e aos demais membros, se eu devo fazer a leitura dele, porque se trata de um depoimento de uma pessoa perseguida que me encaminhou. Não tem nada a ver com o depoimento do Doutor Aurélio.

O SR. PRESIDENTEEntão, vamos liberar o nosso convidado e tratamos desse assunto em outro momento.

Gostaria de agradecer imensamente ao Doutor Aurélio pela presença, pelo testemunho, pelas palavras. Foi realmente muito enriquecedor para o nosso trabalho.

O seu testemunho hoje é o primeiro de uma série de outros testemunhos a partir dos quais nós pensamos em recontar a história, não apenas remontando os fatos, mas acima de tudo vendo nos protagonistas as avaliações dos fatos que possam se contrapor as versões que não tenham sido capazes de traduzir a verdade.

O nosso objetivo é de resgatar a verdade histórica para tentar, a partir dessa verdade histórica, produzir um relatório que no fim represente essa recontagem dos fatos.

Por conta disso a sua colaboração foi muito grande e por isso queremos agradecer a sua presença com todos os sacrifícios que a idade nos impõe. Queremos todos conseguir chegar a idade que o Senhor chegou com essa lucidez e essa capacidade de lembrar de eventos tão distantes no tempo. Mas uma vez então muito obrigado em nome da comissão e concedo a palavra para suas considerações finais.

O SR. AURÉLIO DO CARMO – Doutor Egydio e demais companheiros aqui desta Comissão, eu me acostumei desde quatorze anos a ter momentos, graças a Deus sempre felizes. Infelizes muito poucos, alguns raros. Eu que hoje não sou mais nada a não ser ex-governador, sou Desembargador aposentado. Honrado pelo convite que me fez esta Comissão não sei se contribuir para um descortino correto dos fatos porque misturei emoção, muitas vezes natural na minha idade. Na minha idade a gente fica até chorão, qualquer coisa chora. Mas me sentir muito honrado com esse convite sem desmerecer outras pessoas momento dirigido por vocês.

Minhas palavras para finalizar isso tudo, emocionada, gratificada e agradeço, sobretudo, eu que acredito em Deus que Deus me permitiu aos quase cem anos de idade, vou fazer 93 em janeiro eu pudesse participar ainda de momentos da vida do meu estado em que se procura através dos fatos reconstruírem a vida interrompida bruscamente, a vida democrática do país.

Muito obrigado, meus amigos, que deus os abençoe.

O SR. PRESIDENTE – Estão encerrados os trabalhos de hoje.

Encerramento – Às 16 horas e 53 minutos.

VOLTAR PARA A PÁGINA DAS OITIVAS